[Crítica] Dreams (2024)
Dreams, dirigido por Dag Johan Haugerud, conta a história do encontro inefável e transformador de uma adolescente com o primeiro amor. Johanne narra a primeira parte do filme em voz off. O que, em sua essência, é a história do despertar romântico e sexual de uma adolescente, torna-se tão amplo e multifacetado quanto a própria vida real pode ser. O filme consegue abordar tudo o que se propõe a explorar sem comprometer nenhum de seus temas.
Johanne (Ella Øverbye) tem 17 anos e se apaixona por Johanna (Selome Emnetu), uma nova professora de arte em sua escola, uma jovem artística, boêmia e carismática que também se chama Johanna – com grafia diferente, mas semelhante o suficiente para convencer sua aluna de que as duas têm uma conexão. Ela decide visitá-la em casa. Embora perceba que um relacionamento com a professora é inapropriado, seu anseio a leva a se inserir com insistência na vida dela, até que aparece de repente à porta do apartamento de Johanna.

Fingindo interesse em tricô, ela comparece a nove visitas à casa da professora, eventualmente registrando a experiência em detalhes explícitos. A atmosfera difusa do apartamento da professora contribui para essa sensação de um espaço ligeiramente idealizado, como se já fosse visto através da lente do romantismo de Johanne. Isso fica ainda mais evidente quando ela retorna ao local mais tarde e o ambiente é retratado com uma luz muito mais fria.
A narrativa então salta um ano. O que quer que tenha acontecido entre Johanna e Johanne acabou, e a estudante escreveu um relato confessional completo sobre o ocorrido. Ela mostra o manuscrito à avó (Anne Marit Jacobsen), uma poetisa em quem Johanne confia acima de todos os outros. A avó elogia suas habilidades de escrita, sugerindo que ela entregue o manuscrito à sua editora, mas não antes de Johanne também compartilhar o manuscrito com sua mãe, Kristin (Ane Dahl Torp), que inicialmente fica alarmada com o conteúdo sexualmente explícito que Johanne escreveu.

Sem a enxurrada de monólogos internos, não ficaria claro o que Johanne realmente está sentindo em muitos momentos. É a primeira vez que Johanne se apaixona – ela nem sequer parece se considerar lésbica, e só depois de mais de uma hora de filme ouvimos pela primeira (e única) vez a palavra “queer”.
Além de ser uma história sobre o despertar queer, Dreams conta uma história universal sobre o primeiro amor e o turbilhão de emoções que frequentemente acompanham esse evento. Por meio de uma estrutura não linear, narrada pela personagem principal, o filme revela diferentes camadas, cada uma explorando com sinceridade e um toque de humor as diferentes fases da paixão juvenil e o desencanto que a segue.

“É como se eu pudesse sentir a presença dela dentro do meu corpo”, diz Johanne, explicando que toda oportunidade de interação em sala de aula vem acompanhada de uma montanha-russa de emoções. “Eu sentia que tudo ficaria bem ou que minha vida inteira acabaria”, ela nos conta, e, de repente, somos lembrados da nossa adolescência, quando tudo costumava ser extremo e até mesmo um olhar tinha o potencial de ser “a melhor coisa que poderia acontecer” ou uma gigante fonte de insegurança.
Além da sensibilidade da Johanne de Øverbye, com as emoções adolescentes sempre oscilando, as quatro protagonistas se entrelaçam de forma perfeitamente harmoniosa. As conversas entre sua mãe e sua avó são muito interessantes, com cada uma ponderando como interpretar a novela documental de Johanne. Isso lhes dá uma breve oportunidade de revisitar suas próprias memórias sobre amor, sexo e representação feminista (talvez a mais divertida tenha sido a discordância sobre os méritos do filme Flashdance, de 1983).

As duas mulheres mais velhas refletem sobre as complexidades do manuscrito e seu conteúdo, sobre o quanto é real e o quanto é inventado, sobre o papel da arte, a veracidade na literatura… Mas o que estamos vendo é uma memória real ou tudo vem da imaginação de Johanne? E isso importa?
Esses elementos – da estrutura não linear à subjetividade da memória e à tensão entre arte e verdade – ganham força à medida que o filme avança. Quando Dreams se concentra na busca de Johanne pela sua própria verdade, funciona demais, e esses momentos de autenticidade fazem o filme inteiro valer a pena, também graças à atuação fantástica dos quatro protagonistas, ao trabalho de câmera habilidoso, roteiro afiado e o olhar empático sobre a solidão da adolescência e as experiências que nos moldam.

Os personagens representam diferentes pontos de vista sobre os temas centrais, e à medida que trocam ideias, a perspectiva do filme vai se tornando mais rica. E quando nos damos conta de que a narração de Johanne é retrospectiva, uma camada de intriga narrativa se estabelece. Estaríamos ouvindo seu diário? Se sim, os flashbacks representam o que de fato aconteceu, ou apenas sua versão dos fatos – ou ainda uma invenção completa? E se não for o diário, de onde vem essa narração? O que vemos na tela é o mesmo que Kristin e Karin leram? E do ponto de vista factual, algum desses relatos pode mesmo ser confiável? No fim das contas, não importa saber o que realmente aconteceu.
Vencedor do Urso de Ouro, o maior prêmio concedido pelo Festival Internacional de Cinema de Berlim, na 75ª edição realizada em 2025, Dreams é uma doce, profunda e cativante história de amadurecimento que, ao mesmo tempo em que explora temas já conhecidos de outros filmes, o faz sob uma perspectiva nova e diferente, com um estilo realista e honesto. Que obra poética, delicada e bonita!
