[Crítica] Estômago (2007)
Estômago descreve a ascensão de um nordestino recém-chegado à São Paulo para a alta gastronomia. É um filme muito original, que narra a história em dois tempos: um presente, na prisão, e outro como flashback, com sua trajetória na gastronomia pela cidade. No início, a ordem das linhas temporais pode não parecer tão clara, mas não influencia negativamente na experiência.
Raimundo Nonato (João Miguel) é um nordestino que chega à São Paulo sem dinheiro. Ele começa a trabalhar em uma lanchonete, com o pagamento sendo um pequeno quarto para dormir e alimentação. Por ser muito talentoso na cozinha, faz a lanchonete bombar. Inclusive, prepare-se para ficar desejando comer uma coxinha após o filme. Seu talento logo é visto pelo dono de um restaurante chique da cidade, que acaba contratando Nonato. Em meio a tudo isso, ele também se relaciona com a prostituta Íria (Fabiula Nascimento), que ia à lanchonete ocasionalmente e continua se encontrando com ele enquanto trabalha no restaurante italiano.
Todo o parágrafo acima é a linha temporal do passado do filme. No tempo presente, Nonato está na cadeia e divide a cela com outras sete pessoas. Ao longo de Estômago, vamos vendo a sucessão de fatos que levaram Nonato a cometer o ato que acabou por fazê-lo parar na prisão. Na prisão, vemos toda a dinâmica do local, com Nonato mostrando seus dotes culinários e criando pratos surpreendentes com ingredientes simples para os seus novos colegas. Seu “poder” faz com que ele ganhe o respeito do chefão Bujiú (Babu Santana) e aumente seu status no local.
Com tantos elementos na história, Estômago consegue capturar a atenção do público e entreter do início ao fim. Passamos o filme inteiro acompanhando as duas histórias, tentando descobrir o que vai acontecer e especulando o que levou o personagem principal à prisão. A intercalação entre os tempos do presente e do passado também adiciona um bom ritmo ao filme e ajuda a manter o interesse na história.
As duas histórias não estão ali de forma totalmente independente uma da outra. Muito pelo contrário. As cenas que ligam cada linha temporal sempre se completam de forma interessante, como quando mostram momento de tensão em um tempo seguido de momento de tensão no outro. As duas histórias, do presente e do passado, têm um final chocante e satisfatório. Tudo isso é muito bem ancorado pelas boas e convincentes atuações do elenco. João Miguel, Fabiula Nascimento e Babu Santana estão ótimos e convincentes em seus papéis. A captação do som não é das melhores em todas as cenas, e às vezes o som abafado pode dificultar o entendimento de alguns diálogos sem o auxílio de uma legenda, mas não tira os ótimos méritos do filme.
O filme de Marcos Jorge é cativante, divertido e crítico. Mesmo nos momentos mais leves e divertidos, sabemos a todo momento que algo de muito errado está prestes a acontecer, e isso cria uma tensão constante no telespectador. Se no início vemos uma certa ingenuidade em Nonato, no tempo presente vemos no que ele se transformou para sobreviver; a inocência se foi e a malícia surgiu. (Como não lembrar da frase “O homem nasce bom. É a sociedade que o corrompe”, de Jean Jacques Rousseau?)
Além de todo o entretenimento, originalidade e violência que mostra, Estômago também tece críticas à sociedade, como quando mostra como os migrantes são tratados na cidade que vão morar ou a diferença de universo entre o rico e o pobre, muitas vezes com a comida como metáfora. O final do filme é chocante, inesperado e brilhante; pode não ser para qualquer paladar, mas não tem como sair indiferente a ele.