[Crítica] MaXXXine (2024)
Acertar em três filmes de uma franquia é uma tarefa difícil. E após dois filmes ótimos, a pressão para finalizar a trilogia de forma perfeita é grande. X – A Marca da Morte e Pearl estrearam com apenas seis meses de diferença e impressionaram; não sei qual dos dois eu gosto mais. Os dois filmes se destacavam tanto na estética quanto no enredo. Além das homenagens que o filme fazia a outros filmes ou gêneros do cinema, as histórias tinham profundidade psicológica, elevando ainda mais o horror do que estava sendo contado.
E então chega MaXXXine, dois anos depois dos dois primeiros filmes e com a difícil tarefa de encerrar a trilogia. (Embora o diretor Ti West já não descarte a existência de um quarto filme da franquia) MaXXXine é mergulhado na nostalgia dos anos 1980 e, apesar de não conseguir superar ou se igualar aos dois filmes anteriores, consegue entregar uma conclusão sangrenta e de qualidade.

Mia Goth continua sendo o ponto alto de todo o filme, entregando toda a intensidade e nuances que a personagem pede. Nós conhecemos Maxine em 1979, enquanto ela gravava um filme pornográfico em uma fazenda do Texas e após sobreviver àquela noite de terror contra Pearl. Ali, ela não ia aceitar uma vida que não merece e estava obstinada a virar uma estrela de cinema. Em MaXXXine, que se passa em 1985 em Los Angeles, a personagem está mais perto de realizar o seu sonho. Como só tem filmes adultos em sua filmografia, ela precisa de um filme “respeitável’ para levar a carreira a um novo nível. Seu agente Teddy Knight (Giancarlo Esposito) consegue agendar um teste para um filme de terror, “A Puritana 2”. Em paralelo a isso, a cidade de Los Angeles está sofrendo ataques de um assassino, o Night Stalker, que mata vítimas ligadas a Maxine.
Um parênteses: Realmente existiu um Night Stalker naquela região. Richard Ramirez foi um criminoso que realizava assaltos, sequestros, estupros e assassinatos por Los Angeles e São Francisco. Ele usava imagens satânicas nos corpos das vítimas. Ele foi capturado pela polícia em agosto de 1985. A Netflix tem um documentário baseado na história do assassino, lançado em 2021, com o nome Night Stalker: Tortura e Terror. MaXXXine se inspirou nesse criminoso para criar o personagem do filme.

Após Maxine ser escalada para o filme “A Puritana 2”, a sua vida parece estar prestes a mudar para melhor. Sua carreira pornô ainda faz da atriz persona non grata entre elites de Los Angeles, mas nada tira o foco de sua ambição por um futuro no estrelato mainstream. Ela não vai aceitar uma vida que não merece. Ela, claro, que deixar o passado no passado, mas isso fica cada vez mais difícil ao longo do filme. Afinal, por que o Night Stalker tem pessoas próximas a ela como vítimas?
O filme consegue mostrar bem a decadência e o perigo daquele local. A homenagem do filme é bem feita, com iluminações por neon, fotografia, trilha sonora e figurino fazendo jus à época. O subtexto da degradação das mulheres pela indústria cinematográfica continua em MaXXXine. O alvo do serial killer são mulheres “degradadas”, como profissionais do sexo, estrelas pornôs, atrizes de filmes de terror. Ele é uma figura contra o que mulheres que se centram em seus desejos representam. Não são “mulheres de família”, e sim mulheres que estão do lado oposto das normas de gênero patriarcais, com expressões livres. Essas mulheres se tornam “vulneráveis” por serem o principal alvo do serial killer do filme.

Como disse, a atuação marcante e forte de Mia Goth continua sendo um dos pontos altos do filme. A atuação da atriz é a verdadeira e maior vitrine da trilogia. Ela consegue elevar o roteiro ao representar a ambição da personagem para mascarar feridas longas e profundas e seu passado em ambientes sufocantes e de repressão. A atriz consegue manusear bem o equilíbrio entre uma personagem ambiciosa e resistente com uma vulnerabilidade que conseguimos nos relacionar. Ao mesmo tempo em que a personagem tem sua vulnerabilidade, é uma mulher forte e poderosa com o controle de seu destino. O restante do elenco também é um ponto positivo do filme, com Kevin Bacon e Giancarlo Esposito, Michelle Monaghan, Moses Sumney e Elizabeth Debicki.
Maxine é uma personagem forte. Ela não dá o braço a torcer para o detetive particular que a pressiona, ela não vai deixar ele atrapalhar o seu destino rumo à fama. Ela transforma predador em presa sem piedade, como quando vai ser atacada por um estranho em um beco escuro mas acaba virando o jogo em cena que fez a sala de cinema gritar e gargalhar. Mas também tem sua vulnerabilidade, como quando está fazendo um molde de gesso de sua cabeça para o filme “A Puritana 2” e, ao se ver ali sentada, presa e imóvel, com o gesso ainda mole criando a aparência em seu corpo semelhante ao corpo de Pearl, ela imagina as mãos de idosa tentando alcançá-la. A cena, ao mesmo tempo em que cria ligação com o filme anterior, também adiciona o elemento recorrente dos filmes da franquia sobre aquela dicotomia entre idealização e contemplação da juventude e a repulsa e estranheza à velhice.

O filme começa mostrando uma frase da atriz Bette Davis: “Nesta indústria, até que você se transforme em um monstro, você não é uma estrela”. E a frase traduz bem todo o arco narrativo da personagem protagonista do filme. A trilogia explora os efeitos nocivos da busca desenfreada pela fama e fala sobre elementos obscuros da indústria. No ato final, Maxine é confrontada diretamente por seu passado e, após derrotá-lo e enterrá-lo de vez, pode ter o seu caminho para a fama enfim livre.
Como um dos personagens do filme fala em uma das cenas, MaXXXine parece um “filme B com ideias A+”. Mesmo sem superar os dois primeiros filmes, o longa neo-noir ainda é uma obra memorável, divertida e envolvente, e cheia de ótimas cenas, como quando Maxine lê um roteiro ao mesmo tempo em que, em outro lugar, um dos personagens está sendo assassinado; as duas cenas se complementam e se acompanham de maneira muito fluida. Assim como nos dois primeiros filmes, fica óbvio a cada take que MaXXXine é feito por alguém que adora o cinema e que adora estudar e retratar com profundidade a psique de seus personagens. É um final satisfatório para a trilogia. E, se no futuro um quarto filme for confirmado, já estou pronta para assistir!
