[Crítica] Juntos (2025)
O novo filme de terror Juntos, escrito e dirigido por Michael Shanks, leva ao limite a ideia de que dividir a vida com outra pessoa pode ser tão desafiador quanto fascinante. Alison Brie e Dave Franco, casados há oito anos, interpretam Millie, professora, e Tim, músico independente, um casal junto há quase uma década, mas ainda não casado. A relação já enfrenta distanciamento, falta de intimidade e frustrações acumuladas.
Os dois deixam a cidade para viver no pequeno município fictício de Fulton, em Washington, após ela conseguir um novo emprego. A mudança de Nova York para uma pequena cidade do interior deveria marcar um recomeço. No entanto, as diferenças ficam ainda mais evidentes: ela é focada e prática, enquanto ele, sem rumo, vê o sonho de ser músico se esvair e carrega o trauma de ter encontrado o pai morto anos antes.

Entre gestos carinhosos e declarações constrangedoras, fica claro que há ressentimentos e acomodação. Millie questiona se ainda há amor ou apenas hábito, enquanto Tim lida com frustrações profissionais e o luto pela morte do pai. O roteiro explora a dinâmica de dependência mútua, evidenciando como o casal define papéis e se apoia a ponto de perder a individualidade. Tim não dirige, Millie não cozinha; ele vive como músico sem estabilidade, ela mantém o emprego fixo.
O contraste entre os dois é evidente: enquanto ela segue em frente, ele parece preso ao passado. No entanto, o amor entre eles é real, sustentado também pela química da vida real do casal de atores. Essa conexão genuína dá peso emocional à narrativa, mesmo quando a relação se transforma em algo perturbador.

O casal, que já enfrenta um período de distanciamento emocional e estagnação na relação, vê sua vida mudar durante uma caminhada em meio à natureza. Presos em um tipo de caverna após uma tempestade, eles bebem água de uma poça e acabam infectados por algo misterioso. A partir daí, o enredo abandona qualquer sutileza.
Aos poucos, essa condição os força a permanecerem fisicamente próximos, incapazes de se separar sem sentir dor. Alterações físicas e emocionais começam a transformar o relacionamento, até que seus corpos começam, literalmente, a se fundir.

A metáfora é tratada de forma explícita e ganha contornos perturbadores e criativos ao longo do filme. Ao tentar entrar no carro sozinha, Millie provoca reações violentas e involuntárias no corpo de Tim. Um beijo se transforma em dor física, e o contato sexual leva a consequências ainda mais grotescas e inquietantes. Aqui, a cena é mais perturbadora pelo que sugere do que pelo que mostra.
O filme não busca sutileza. A abordagem é direta e crua, com uma mitologia apresentada de forma clara e um desenvolvimento que abraça o absurdo. Um dos momentos mais marcantes acontece quando Tim e Millie começam a se sentir totalmente ligados um ao outro, com movimentos e sensações compartilhadas. A direção explora a transformação com cenas de forte impacto visual, despertando desconforto e fascínio na mesma medida.

A exploração visual do grotesco não se limita ao impacto estético: ela dialoga diretamente com a construção emocional dos personagens. O roteiro equilibra momentos de horror visceral com um retrato ácido sobre convivência, dependência e medo de amadurecer.
Brie entrega uma Millie decidida e vulnerável, enquanto Franco interpreta um Tim carismático e frustrante, aproveitando a química real do casal fora das telas para dar peso às interações. A presença de Damon Herriman como um vizinho de sorriso amigável, mas inquietante, adiciona uma camada extra de tensão e mistério.

Essa transformação grotesca contrasta com o início do longa, quando o relacionamento dos dois parecia preso a um ciclo de frustração e ressentimento. Antes da infecção, Millie e Tim já estavam distantes, evitando intimidade e discutindo sobre as limitações da vida a dois.
Com a nova condição, a proximidade deixa de ser uma escolha: torna-se inevitável e física, ao mesmo tempo em que expõe traumas e hábitos que os mantêm juntos contra todas as probabilidades.

O longa se destaca ao usar os recursos do body horror para representar visualmente temas como dependência emocional e toxicidade em relacionamentos. Ainda assim, à medida que o enredo avança para sequências cada vez mais grotescas – incluindo criaturas e efeitos comparáveis aos de A Substância, porém com orçamento mais enxuto -, o filme encontra força na própria repulsa que provoca.
O clímax entrega respostas claras para a trajetória do casal, mas deixa em aberto questões maiores sobre o custo de permanecer em uma relação e se esse preço vale a pena.

O humor de Juntos surge de forma inesperada, com a alternância de choques visuais e cortes abruptos para reforçar o absurdo das situações. Embora alguns elementos do desfecho possam dividir opiniões (para mim, tirou um pouco da força do filme), a combinação de horror, ironia e tragédia mantém o interesse até o fim.
A construção emocional do longa suaviza parte do impacto do terror, que não chega aos extremos visuais de produções como A Substância. Os efeitos, em sua maioria práticos, são usados de forma precisa para causar impacto, mesmo com orçamento modesto. Apenas um momento mais carregado de CGI, já no final, perde um pouco da força, mas não compromete o resultado.
Ainda assim, o terceiro ato se inclina mais para a ternura do que para o choque, sem abandonar o clima inquietante. O filme também peca um pouco em algumas cenas, que explicam excessivamente temas que poderiam ser sugeridos.

Apesar de algumas pontas soltas, como a ausência de explicação clara para Tim ser mais afetado inicialmente que Millie, a narrativa mantém consistência e impacto. Quando a intenção é provocar repulsa, o filme acerta.
Com humor sombrio inserido nos momentos mais improváveis, Juntos equilibra desconforto e ironia, e os seus pontos fracos não comprometem a força do conjunto. O desfecho, surpreendente tanto na forma quanto na sensação que deixa, reforça a originalidade do filme. É uma história que revisita temas já explorados no cinema, mas com uma abordagem visual e conceitual própria.

No fim, Juntos se revela uma reflexão visceral e desconfortável sobre os limites do amor e da convivência. Entre a metáfora e o choque visual, provoca o público a pensar não apenas no destino de Millie e Tim, mas no de qualquer parceria colocada à prova. A história reflete sobre dependência emocional, medo de abandono e a linha tênue entre conforto e negação em relacionamentos de longa duração. O fato de Brie e Franco serem casados fora das telas adiciona autenticidade às interações, tornando crível tanto a intimidade quanto a tensão crescente.
Um dos pontos de destaque do filme é que a história funcionaria até sem o aspecto sobrenatural, o que reforça a solidez da escrita. Mais do que sustos, Juntos se propõe a investigar os limites do que suportamos por amor. Ao combinar horror corporal com um retrato detalhado de um relacionamento imperfeito e sufocante, o diretor entrega uma obra que provoca tanto pela estética quanto pelas questões que levanta, deixando no ar se, no fim, os horrores que aceitamos em nome do amor realmente valem a pena.

Mesmo com imperfeições, o longa se destaca como um dos trabalhos mais originais do terror independente em 2025. Juntos se sustenta como um comentário ácido sobre compromisso e toxicidade, explorando como vínculos afetivos podem resistir – ou se distorcer – mesmo em meio à dor e à repulsa. É um filme incômodo, criativo e impossível de esquecer. Entre uma cena de dança icônica ao som das Spice Girls e momentos de puro horror corporal, Juntos provoca risos nervosos e desconforto, equilibrando metáfora e impacto visual.

