[Crítica] Extermínio: A Evolução (2025)
A história de Extermínio: A Evolução começa com um prólogo nos anos 2000: o vírus da raiva se espalhou. Famílias apavoradas se refugiaram nas Terras Altas da Escócia, tentando acalmar as crianças com Teletubbies na TV – o que já consegue, de alguma forma, rapidamente dar um tom perturbador ao filme. Após a fuga de um garotinho, a narrativa avança para 28 anos depois (nome do filme em inglês, a propósito – 28 Years Later).
Em uma pequena comunidade, fora da costa da Grã-Bretanha, a vida voltou a algum tipo de normalidade. Há vestígios de uma cultura baseada em antigos costumes ingleses. Em alguns momentos, parece até que estamos assistindo a uma história de séculos passados. Alguns encontraram formas de sobreviver em meio aos infectados. Um desses grupos vive em uma pequena ilha ligada ao continente por uma única passagem estreita, fortemente protegida.

Acompanhamos tudo por meio de Spike (Alfie Williams). Seu pai, Jamie (Aaron Taylor-Johnson), acredita que o filho já está pronto para sua primeira ida ao continente. Existe uma passagem natural quando a maré baixa — mas se for pego pela água, a correnteza o arrasta para o oceano. Essas viagens são essenciais para abastecer a vila.
O continente (Inglaterra e Escócia) continua em quarentena, patrulhado por navios europeus. O vírus da raiva, embora contido no restante do mundo, ainda prospera por lá. As criaturas grotescas se alimentam sugando vermes do solo e podem ser abatidas com flechas em sua cabeça ou coração. Os mais perigosos são os “alfas”, versões evoluídas dos infectados que conhecemos. Eles são maiores, mais fortes e mais difíceis de matar.

Spike e Jamie saem em expedição e vão ao continente, não apenas para buscar suprimentos para a comunidade isolada, mas também para matar zumbis como se fosse um esporte. A expedição não dá muito certo para o garoto, que fica nervoso e não consegue matar nenhuma criatura, mas o retorno é ainda pior, pois Spike descobre que o pai não é o homem íntegro que ele sempre acreditou.
De volta à comunidade, Jamie começa a contar histórias sobre a suposta ferocidade do filho no continente, como se estivesse moldando um pequeno guerreiro bárbaro. O problema é que Spike não tem nenhum instinto assassino.
Durante a expedição, Spike decobre que pode haver um médico por ali. A sua mãe, Isla (a sempre ótima Jodie Comer), está gravemente doente e ele tem o plano engenhoso de levá-la até o médico para que ela seja curada. Com esse breve resumo do filme, dá para sentir como ele tem elementos de vários gêneros, da ação dos duelos com os zumbis ao drama da decepção familiar e do amor de mãe.

Os zumbis aqui continuam infectados pelo “vírus da raiva”, mas existe uma certa dose de empatia por essas criaturas — o que culmina em uma cena visualmente impactante com uma enorme pilha de crânios. Há algo de trágico e quase belo em enxergar essas criaturas como animais instintivos, agressivos, mas não necessariamente monstruosos. Cada vez que Jamie força Spike a atirar flechas em um infectado indefeso e obeso como se fosse apenas um alvo, o desconforto cresce.
Extermínio: A Evolução tem sequências de ação bem coreografadas, além de momentos inesperadamente emocionantes e cadenciados com novos personagens, como o interpretado por Ralph Fiennes.

Visualmente, Danny Boyle cria um filme bonito, hipnotizante e impactante. Toda morte de infectado congela com um freeze frame. Um detalhe: o filme foi filmado, em parte, com iPhones, especificamente o modelo 15 Pro Max.
Boyle utilizou múltiplos aoarelhos da Apple (até 20 em algumas cenas) em conjunto com outras câmeras, incluindo drones, para criar uma experiência imersiva. Os iPhones foram usados como uma ferramenta experimental para capturar cenas – um aceno ao uso de câmeras digitais baratas do original de 2002. Danny Boyle retrata com excelência a carnificina da sobrevivência.

É o roteiro de Alex Garland que dá profundidade ao tom sombrio. É uma história sobre amadurecimento, vida, morte e transformação – do corpo humano pela doença, seja por infecção zumbi ou enfermidade. O roteiro consegue equilibrar de forma habilidosa ação e reflexões filosóficas, deixando lacunas narrativas para que a gente crie nossas próprias teorias.
A primeira hora do filme é exatamente o que os fãs dos anteriores esperam: um terror tenso e assustador com atmosfera contida e realista. A primeira metade é uma avalanche de adrenalina: perseguições sangrentas em alta velocidade, mortes em câmera lenta com muito gore, montagem punk e ângulos de câmera ousados.

É um suspense de sobrevivência focado na relação entre pai e filho em um mundo hostil. Boyle e Garland conseguem injetar verdadeiro peso dramático ao conflito, mantendo a narrativa imprevisível e cheia de tensão. Tudo no filme é mais extremo do que nos anteriores, especialmente no quesito violência e horror. Não é um filme para os estômagos fracos.
O ritmo ameaçador se dissipa na segunda metade e o filme ganha um novo tom, ancorado nas grandes atuações de Alfie Williams, Jodie Comer e Ralph Fiennes. A última sequência de Extermínio: A Evolução muda o tom do filme de forma abrupta e enfraquece o impacto do desfecho, talvez pela preocupação de incluir um gancho para um segundo capítulo da trilogia. Tudo que vem antes desse momento de continuação é marcante e eficiente, e cria uma experiência aterrorizante, sangrenta e surpreendentemente emocional. Mas então chega uma sequência final tão fora de tom e que destoa tanto do restante que deixa uma sensação amarga. Talvez teria funcionado muito melhor como cena pós-créditos.

O elenco de Extermínio: A Evolução também é um dos pontos altos. Aaron Taylor-Johnson entrega uma performance rica e sensível ao interpretar um pai tentando preparar o filho para um mundo em ruínas. Ralph Fiennes, quase irreconhecível, tem um papel importante, com um personagem cheio de nuances, que poderia ter sido exagerado nas mãos erradas. Jodie Comer também acerta com a sutileza de sua atuação.
Alfie Williams é o destaque aqui. A evolução emocional e o alcance que ele demonstra do início ao fim do filme impressionam, ainda mais considerando que este é apenas seu terceiro trabalho. Alfie traz humanidade ao filme. Sua transição de um garoto assustado que finge não ter medo até um jovem que aprende a confiar nos próprios instintos é impressionante. E a relação de ternura entre mãe e filho sustenta boa parte da carga emocional do longa.

Boyle sabe como causar desconforto em quem assiste. Ele estabelece o ritmo, o perigo, e – mais importante – o modo de vida daquele mundo. O diretor domina o uso constante de imagens cortadas – sempre com intenção, nunca gratuitas – e tensiona a história e aumenta o suspense. Cada corte tem peso.
Como nos outros filmes da franquia, o sangue é constante, e o perigo, sempre presente. Extermínio: A Evolução é também um filme sensível sobre amadurecimento. Boyle sabe provocar o público com o horror da infecção, mas mantém a ternura em segundo plano, sempre ali.
É uma história sobre crescer, sobre processar a perda e, principalmente, sobre preservar a humanidade em um mundo que exige que você a abandone para sobreviver. O roteiro trata seus temas com cuidado. A relação entre mãe e filho, e entre pai e filho, é tratada com delicadeza. Alguns momentos chegam perigosamente perto do sentimentalismo excessivo. Mas quando a violência explode, ela nos puxa de volta e redefine o tom. A violência interrompe o afeto e nos lembra de onde estamos: em um mundo difícil, quase sem esperança.

O final mais fraco e deslocado não apaga tudo o que veio antes. Extermínio: A Evolução é um dos filmes de terror mais bem dirigidos e interpretados do ano. É um longa que busca ser mais do que é, não fugindo do gênero, mas o reinterpretando. A força da direção e das atuações é inegável.
Extermínio: A Evolução é um filme visceral, angustiante e até estressante. É comovente e emocionalmente devastador, ao mesmo tempo em que eleva os níveis de sangue e terror ao máximo. A mistura entre violência extrema e emoção genuína é raríssima em filmes de zumbi e eleva o filme. Tenso do começo ao fim, e sensível em meio à barbárie.
