Crítica

[Crítica] Desconhecidos (2024)

Desconhecidos é um filme esteticamente bonito e tecnicamente bem feito. Se muito analisado, muito de seu impacto acaba se perdendo e fica até difícil não problematizá-lo. No início do filme, a personagem principal questiona: “Você tem ideia do que uma mulher arrisca toda vez que tenta se divertir?”. E isso, infelizmente, é uma realidade em todo o mundo. Acontece que, ao mostrar a personagem tendo atitudes duvidosas, esse discurso perde muito do peso.

O filme aborda a temática do serial killer, que já é bem conhecida no cinema, e, partindo dessa premissa já tão abordada, conta uma história com plot twist e final surpreendente. A história é contada em seis capítulos, que são mostrados em ordem não-linear. Desconhecidos acerta com sua narrativa não-linear, pois ela atiça a curiosidade do espectador. Começamos assistindo ao capítulo 3, e isso faz com que os flashbacks e o que acontece depois ganhem ainda mais um ar de mistério, deixando a reviravolta ainda mais surpreendente e alterando toda a percepção inicial da história. Ao começar a contar a história na metade, automaticamente tentamos supor o que aconteceu antes e o que acontecerá depois.

Desconhecidos (2024)

Começamos o filme vendo uma jovem ferida, A Dama (Willa Fitzgerald), fugindo pelo mato, enquanto O Demônio (Kyle Gallner) a persegue. Ali, parece que estamos presenciando uma situação de feminicídio. Ao vermos novos capítulos da história, percebemos que a relação entre os dois personagens sempre é marcada por tensão sexual. Há consenso nas relações entre eles, mas os limites são constantemente ultrapassados.

Desconhecidos consegue criar tensão do início ao fim, com base em elementos de suspense bem trabalhados, e os subvertendo quando necessário. Ele subverte os papéis que costumamos associar a esse tipo de história e a forma que ele faz isso, entregando os elementos da narrativa aos poucos, tem seu mérito.

Desconhecidos (2024)

Apesar de contar o filme em um gênero padrão e tentar torná-lo menos previsível e mais inteligente, o filme nunca consegue ser tão inteligente assim. Se deixarmos a reviravolta de lado, pouco sobra no filme. Willa Fitzgerald entrega uma performance consistente e consegue transmitir agonia e perversão sempre que necessário. É um papel divertido para trabalhar, que foge do clichê de vítima ou garota final, que sai das expectativas iniciais que o filme mostra e nos induz a pensar.

Mas, mesmo com a história sendo contada de forma não-linear, o roteiro do filme é bem direto e falta substância. A Dama sai com O Demônio para uma noite de sexo e BDSM. Ela droga o homem e marca o seu nome no peito dele com uma faca. Ela é a serial killer, chamada de Dama Elétrica (Electric Lady). O cara é um policial e está com uma arma. Em determinado momento, ele consegue atirar na orelha e no braço dela. Ela consegue fugir, sai correndo e ele a persegue. A partir daí, o filme vira basicamente ela pedindo ajuda às pessoas, que assumem que ela é uma vítima ferida, e depois ela assassinando essas pessoas.

Desconhecidos (2024)

A sensação que fica durante Desconhecidos é que o filme nunca chega ao nível máximo que poderia. Tudo que sabemos sobre o demônio é que ele é um policial e que ele é incapaz de fazer muito mal a ela. Não sabemos as motivações da Dama Elétrica, o que deixa a personagem mais fraca. O filme parece quase sugerir uma motivação de vingança feminista para a personagem, mas no fim ela parece apenas uma psicopata que comete assassinatos porque tem alucinações. Isso tira muito do peso e impacto do filme.

Desconhecidos não é um filme ruim, está longe disso, tem atuações boas e consegue gerar tensão em várias cenas, subvertendo as expectativas em diversos momentos. Mesmo assim, é um filme incompleto e com uma mensagem final fraca. A técnica, estética e estrutura do filme é boa, mas o seu roteiro deixa a desejar. Qual é o ponto do filme? Que uma mulher pode se jogar no chão chorando e escapar impune? Que ela pode baixar a calça para fingir um estupro para não ser pega? Que uma outra mulher tola irá acreditar nessa mulher e colocará a vida de todos em risco por causa disso? Apesar de ser um filme com ótimas atuações, fica difícil não sentir em alguns momentos que se trata de um filme escrito por homens que acreditam que mulheres são narcisistas manipuladoras. A tese final do filme é “Acredite nos homens”?

Desconhecidos (2024)

Desconhecidos acaba por reforçar estereótipos sobre mulheres como mentirosas e manipuladoras. Não é um filme tão progressivo quanto acredita ser. O filme acerta ao brincar com as suposições do público, mas erra no tom e na forma de abordar esses assuntos. As performances físicas de Fitzgerald e Gallner conseguem segurar o filme, que conta com muita violência gráfica e estética marcante, cheia de cores fortes. As conversas entre os dois personagens são alguns dos pontos mais altos do filme. Mas, ao final, fica a sensação de que está faltando algo para ser um filme realmente muito bom.