Crítica

[Crítica] Um Completo Desconhecido (2024)

Em Um Completo Desconhecido, Timothée Chalamet interpreta o cantor folk Bob Dylan. O longa começa em 1961, com Dylan aos 19 anos em Minnesota pegando carona para Nova York com seu violão, o desejo de conhecer o seu ídolo Woody Guthrie (Scoot McNairy), que sofre de uma doença neurodegenerativa e está no hospital, sendo cuidado pelo colega músico Pete Seeger (Edward Norton), e também seu desejo de iniciar a carreira na música.

Em 1965, Dylan foi considerado “A voz de uma geração” por músicas como “Blowin’ In The Wind” (1963), até que ele revoltou o público ao tocar instrumentos elétricos. Isso resume a sua trajetória, marcada por decisões e atitudes que vão contra a expectativa da maioria.

O filme biográfico foi indicado a oito Oscars, incluindo as categorias de Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Diretor e Melhor Roteiro. O filme do diretor James Mangold e do co-roteirista Jay Cocks não é tão inovador a ponto de fazer totalmente jus ao artista, mas é uma boa história sobre a origem da lenda. Uma história direta, na maior parte do tempo convencional. O seu maior poder está no elenco. Se o filme não tivesse Timothée Chalamet no elenco, por exemplo, teria grandes chances de ser uma obra que passa batido entre crítica e público.

Dylan é um personagem um tanto místico, grandioso no imaginário e cenário da música, por isso difícil de interpretar. Bob Dylan é um enigma, mas Chalamet consegue emular os vocais, linguagem corporal e maneirismos do cantor folk de forma brilhante. O ator faz o que pode para sumir no papel e entrega uma performance tanto cativante quanto enigmática.

Um Completo Desconhecido (2024)

O filme aborda a vida do cantor entre os anos de 1961 e 1965, quando ele retornou ao Festival de Newport no controverso show usando instrumentos elétricos. A colocação das músicas ao longo do roteiro tem papel fundamental para formar a estrutura do filme e contar os fatos sobre a vida e carreira de Dylan; a música aparece sempre para complementar o filme. Iniciamos o filme conhecendo Bobby, a pessoa comum em busca de sua carreira. Mas depois ele “vira” Bob Dylan, usando óculos escuros o tempo inteiro, e mais difícil de ser lido.

Chalamet consegue preencher os ambientes apenas com sua presença, sem precisar abrir a boca muitas das vezes; o ator consegue transmitir a aura do cantor. Sem Chalamet e o peso emocional que ele traz às cenas, o filme poderia ficar bem sem graça e esquecível. Dylan não é um artista carismático e nunca fez questão de transmitir essa imagem, e Chalamet consegue incorporar essa personalidade espinhosa e misteriosa, às vezes irreverente e às vezes antipática, e conduz o filme do início ao fim.

Ellen Fanning interpreta Sylvie Russo, personagem fictícia que representa Suze Rotolo, primeira namorada do cantor. A atriz também consegue interpretar uma personagem cativante e é impossível não simpatizar com ela, que tem momentos poderosos no filme. Mas os maiores destaques do elenco são Chalamet, como já mencionado, e Monica Barbaro, que interpreta Joan Baez. Os dois conseguem dominar os seus papéis e dominar a tela sempre que aparecem, fazendo com que os demais personagens passem quase despercebidos. Chalamet e Monica Barbaro elevam as cenas e engrandecem o filme.

Um Completo Desconhecido (2024)

Barbaro interpreta a sua personagem com carisma e profundidade emocional, conseguindo mostrar a luta contra seus sentimentos de forma sutil. A performance de Elle Fanning é ainda mais sutil e silenciosa na maior parte do tempo; a atriz consegue transmitir no olhar toda a sua dor ao observar de longe o dueto de Dylan e Baez e perceber a conexão profunda entre os dois, assim como seu incômodo e dor ao perceber que não conhece a história do então namorado. Boyd Holbrook interpreta um Johnny Cash cheio de si também de forma consistente, como uma espécie de mentor para Dylan.

O roteiro de Um Completo Desconhecido é simples, mas sólido. Consegue trazer nuances para Dylan, que não é apenas retratado como alguém perfeito e inalcançável. Ele é mostrado também como alguém questionável, infiel, egoísta e desagradável, alguém que odeia a fama e que não se importa em alcançar as expectativas alheias.

Acompanhamos a vida pessoal e profissional do cantor, sua ascensão à fama, seu relacionamento com Sylvie, sua parceria musical e relacionamento com Joan Baez, os executivos querendo que ele não se afaste do que é previsível e ele querendo inovar. Chalamet, Barbaro e Fanning conseguem transmitir a emoção crua de seus personagens. Ainda assim, o foco do filme é a persona de Dylan no palco e nos estúdios de gravação, e não os seus romances.

Um Completo Desconhecido (2024)

Ainda que se limite a um curto período de tempo, o filme tenta abordar muitos temas, e nem sempre os desenvolve tanto quanto poderia; quem não conhece tanto o artista pode terminar o filme com lacunas.

Também é um pouco estranho que um filme biográfico sobre Bob Dylan, que sempre quis ir contra às expectativas, siga a estrutura comum à maioria dos filmes do gênero. Ainda assim, Um Completo Desconhecido não cai em armadilhas de sentimentalismo exagerado e tenta mostrar um ser humano complexo. O foco do filme não é contar sobre o passado do artista, aproximar o público dele ou se aprofundar na pessoa Robert Allen Zimmerman, e sim representar sua genialidade e importância para a história da música.