[Crítica] Golpe de Sorte em Paris (2024)
Golpe de Sorte em Paris é o 50º filme de Woody Allen, e o primeiro rodado inteiramente em um idioma diferente do inglês. No filme, acompanhamos Fanny, interpretada pela carismática Lou de Laâge. Ela tem 30 anos, é casada e se reconecta com um homem que é apaixonado por ela desde a adolescência no colégio, Alain (Niels Schneider). Lentamente, o encontro de Fanny com o antigo colega de colégio se transforma em um caso extraconjugal.
Fanny e seu marido, Jean (Melvil Poupaud), parecem um casal perfeito da alta sociedade; pelo menos é essa a impressão que tentam passar. Por trás dos presentes luxuosos, que a esposa não se sente bem usando, e da constante performance para a alta sociedade, Jean é muito ciumento e possessivo com a esposa. Ele ama Fanny apenas em função de suas expectativas. Apesar de apreciar o conforto de viver com Jean, Fanny não se preocupa em impressionar a elite parisiense. Eles viajam frequentemente, e Jean sai para caçar com os amigos ricos, enquanto Fanny, que prefere ficar em Paris, acaba acompanhando o marido na viagem, mas passa a maior parte do tempo no alojamento. Apesar de se sentir envergonhada ao receber presentes luxuosos de Jean, Fanny e ele parecem um casal feliz — até que ela encontra Alain.
O casamento de Fanny é muito bem estabelecido e explicado no filme. Conseguimos entender todas as suas nuances e como funciona na vida da protagonista: é cômodo, mas ao mesmo tempo longe de ser perfeito. Isso tudo acrescenta mais peso ao encontro de Fanny com Alain. Ele é escritor e atualmente está em Paris trabalhando seu novo romance. Após encontrá-la pela primeira vez nas ruas parisenses, ele revela casualmente que sempre teve uma queda por ela desde os tempos de colégio. Fanny começa a pensar muito sobre o antigo colega, e o que era um almoço casual rapidamente se transforma em muitos almoços e muitas conversas.
Esse é o melhor filme de Woody Allen em anos. O filme tem todos os trejeitos de longas anteriores do diretor, com estilo oscilando entre comédia, drama, comédia romântica, suspense sobre assassinato, tudo isso embalado em diálogos densos, ágeis e ricos, aquela fonte clássica dos créditos e músicas de jazz.
É gostoso de acompanhar as conversas entre Fanny e Alain enquanto caminham pelo parque almoçando um sanduíche, com diálogos honestos e abertos. Alain sempre mostra o interesse que ainda tem por Fanny, que inicialmente é mais discreta, ainda que não consiga esconder o seu encanto. Golpe de Sorte em Paris é sempre muito eficaz ao mostrar o contraste entre os momentos em que Fanny conversa abertamente com Alain e os que passa em casa com o marido.
Tudo parece estar caminhando para um final feliz; Fanny está cada vez mais decidida a deixar Jean e ficar com Alain. No entanto, ela não sabe que Jean está desconfiado de que está sendo traído, contrata um detetive e descobre que seu medo se concretizou. Assim, em vez de um final feliz, o filme toma um rumo inesperado. Não só o acontecimento é inesperado; a partir daí, o filme muda de tom.
Lou de Laâge é o grande destaque de Golpe de Sorte em Paris. Logo no início do filme, a atriz consegue se conectar com quem assiste e fica inevitável torcer para tudo dar certo para ela. Ela transmite a dúvida e a vulnerabilidade de Fanny, ao mesmo tempo em que revela uma mulher forte. Mas ela não é o único destaque. Valérie Lemercier, que interpreta Camille, mãe de Fanny, também se destaca no longa. Sua personagem vai ganhando importância à medida que o filme avança, adicionando humor à trama, tornando impossível não torcer para que ela consiga desvendar tudo o que suspeita.
A partir do momento em que Golpe de Sorte em Paris toma um rumo inesperado, ele também perde um pouco de sua força. Continua sendo divertido de assistir, mas perde parte do frescor do início. O final do filme também parece apressado e tira um pouco do brilho, mas não totalmente. O saldo final continua sendo de um filme agradável, charmoso, envolvente e divertido de assistir.
Golpe de Sorte em Paris é um filme despretensioso e repleto de ótimas atuações. Não é um filme ousado, e nem tenta ser. Cheio de lindas paisagens de Paris – e tom muito alaranjado em algumas cenas -, o longa é espirituoso e leve de assistir, com toques sombrios. O terceiro ato pode deixar a desejar, mas o elenco entrosado consegue sustentar a história e a nossa atenção até o fim. Não é o melhor filme da filmografia de Woody Allen, mas se esse for de fato o seu último trabalho, pode-se considerar que ele se despediu em grande estilo, com uma boa nota.