Crítica

[Crítica] Tipos de Gentileza (2024)

Quando sentamos para assistir algo de Yorgos Lanthimos, sempre podemos esperar um filme ousado e com um toque de estranheza e excentricidade. O cineasta tem ótima mão para contar histórias de uma forma única, tanto visualmente quanto em sua narrativa. Tipos de Gentileza é uma antologia formada por três histórias, com personagens – interpretados sempre pelos mesmos atores, mas em diferentes papéis – em cenários totalmente diferentes e retratados com uma lente absurda.

Na primeira história, acompanhamos a vida de um homem que tem sua vida milimetricamente controlada por seu chefe. Na segunda história, acompanhamos a vida de um marido após a sua esposa desaparecer e o caos que isso causa em sua vida. Na terceira e última, acompanhamos membros de um culto que buscando alguém com capacidade de reviver os mortos. As histórias abordam temas como sacrifício, poder, autoridade, abuso, resiliência extrema, pureza, sexualidade, amor, obsessão, ego, dependência, autonomia pessoal, influência externa… A cada história, Tipos de Gentileza coloca uma lupa em cima de interações sociais e nos mostra os seus absurdos. São contos sombrios e ácidos do início ao fim.

É um filme brutal, absurdo e cheio de cenas desconfortáveis. A intenção é essa. Também é cheio de humor. O som é um grande personagem do filme e um grande fator de desconforto. O elenco está com atuações sólidas e cada um consegue mudar a interpretação a cada história, ao mudar o personagem que está sendo interpretado. Diferente de Pobres Criaturas, que tinha uma atmosfera e estética fantástica, Tipos de Gentileza tem uma estética mais “natural”, crua, próxima ao nosso cotidiano. O absurdo e a estranheza, comumente abordada pelo diretor, estão nas ações dos personagens.

Tipos de Gentileza (2024)

Jesse Plemons como sempre está ótimo e se destaca a cada história. Ele é como o fio condutor que liga todo o filme e engrandece as cenas. Em todas as histórias, o ator consegue dominar as cenas e modular sua atuação para cada personagem. Emma Stone, mais coadjuvante na primeira história e mais presente nas duas seguintes, também está ótima, como sempre, e é magnética sempre que aparece. O filme é como uma vitrine para as atuações dos dois. Willem Dafoe e Margaret Qualley também estão ótimos em seus papéis nas três histórias.

A “gentileza” abordada pelo filme não é o que podemos imaginar em um primeiro momento ao ouvir essa palavra. Nas três histórias, o personagem principal está submetido a uma figura de poder. Na primeira, ao chefe. Na segunda, ao marido. Na terceira, ao líder religioso. Subordinação e dependência são tipos de gentileza? Até onde estamos dispostos a nos colocar e nos doar em busca da aprovação alheia? Buscar aprovação alheia de forma desenfreada é uma característica de alguém gentil ou simplesmente dependente? Isso pode ser visto como uma gentileza para com o outro ou simplesmente como ego? O fim da autonomia e a dependência extrema são tipos de gentileza?

Enquanto A Favorita e Pobres Criaturas eram filmes mais extravagantes, Tipos de Gentileza traz mais tons sombrios e desconfortáveis. É menos lúdico e mais sombrio. É um filme pessimista. As risadas provavelmente surgirão a partir de um lugar de desconforto. Aqui, há um tom mais bizarro como Dente Canino, com temas absurdos e tramas nada convencionais.

O longa pode ser um filme cansativo de assistir para algumas pessoas, já que cada um dos atos têm cerca de 1 hora (o filme tem 2h45 de duração), e também por perder o ritmo e a força em alguns momentos. Por se dividir em três partes com histórias diferentes, é comum que o filme acabe sendo irregular, com algumas histórias melhores (ou bem melhores) que as outras; e o gosto entre cada história deve variar bastante entre o público. Embora eu tenha gostado das três histórias, considero a terceira, a que fecha o filme, a mais fraca. O filme também peca por, em alguns momentos, parecer querer apenas chocar ou surpreender o espectador de forma gratuita.

Tipos de Gentileza é um ótimo filme, mas que não parece atingir o seu potencial máximo. Talvez por ter sido feito enquanto Yorgos Lanthimos ainda finalizava a pós-produção de Pobres Criaturas, o longa tenha sido feito às pressas e não tenha tido todo o seu potencial explorado. Mas nada disso faz de Tipos de Gentileza um filme ruim; apesar dos leves defeitos, é mais uma ótima obra do cineasta e que acrescentará positivamente em sua filmografia. O longa é sagaz, excêntrico, enigmático, criativo, ousado, imprevisível e não tenta responder diretamente as diversas perguntas que instiga o espectador a refletir. É um filme para quem ama assistir e refletir sobre o absurdo e que não busca respostas fáceis.

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