Crítica

[Crítica] Mais Pesado é o Céu (2023)

Mais Pesado é o Céu, do diretor Petrus Cariry, tem poesia desde o seu título. O filme se passa nas margens do açude Castanhão; em 1995, a cidade de Jaguaribara foi tomada por ele. Se aquela cidade foi sufocada pela água, no filme vemos duas pessoas sufocadas pela desesperança, embaixo de um céu imenso, azul, imponente e opressor. No filme, acompanhamos Antônio (Matheus Nachtergaele) e Teresa (Ana Luiza Rios). Os dois estão em busca de melhores condições de sobreviência. São duas pessoas perdidas e em busca de uma segunda chance. Há também um bebê no início de sua vida. Um bebê que poderia deixar de existir no início da vida, mas foi encontrado e agora também terá uma segunda chance.

Antônio saiu de São Paulo, de carona em carona, após um amigo afirmar que estaria se dando bem “no negócio dos caranguejos” no litoral do Ceará. Enquanto Teresa quer sair do interior e buscar uma vida melhor na capital. Os dois estão sem emprego e lutando para sobreviver e, mesmo sem dinheiro, decidem ser responsáveis também pela vida daquele bebê. Os dois encontram Fátima (Silvia Buarque), que não realizou o sonho de ter um filho homem e automaticamente cria afeto pelo bebê; ela o batiza de Miguel.

Mais Pesado é o Céu (2023)

Fátima oferece uma casa abandonada para os dois. Naquela casa, eles vivem e sobrevivem. Não como um casal, não como pais da criança. Indo contra o que é mais tradicional na sociedade, ela é quem sai para trabalhar – ou buscar um trabalho – enquanto ele fica em casa cuidando dos afazeres domésticos e do bebê; pelo menos num primeiro momento. Mais para frente, ele vai para a estrada com o bebê no colo pedir dinheiro aos motoristas, algo que vemos mais comumente sendo feito por mulheres.

Enquanto está na rua procurando uma forma de trabalhar, Tereza conhece a personagem de Danny Barbosa, que tenta lhe ajudar da maneira que pode. Tereza passa a se prostituir na estrada e o filme mostra isso em cenas bem pesadas e reais. Talvez mostre até mais vezes que o necessário. Mas nunca há um tom de julgamento moral, nem mesmo entre os seus personagens. Quando Tereza conta para a personagem de Danny Barbosa que está se prostituindo, a personagem não faz qualquer julgamento e apenas entende que a amiga está fazendo o que precisa ser feito para sobreviver.

Com um elenco super enxuto, é natural que muito de Mais Pesado é o Céu se ancore nas atuações de seus atores. Matheus Nachtergaele e Ana Luiza Rios brilham e conseguem dar o tom do filme em cada cena, criando camadas para os seus personagens e dando mais profundidade para aquela relação incomum. Silvia Buarque e Danny Barbosa também têm peso importante para auxiliar na narrativa e complexidade dos personagens principais e servem de apoio para Teresa.

O filme tem várias cenas com planos abertos, mostrando toda a imensidão e imponência daquele céu, mas ainda assim é claustrofóbico e sufocante do início ao fim. Por muitas vezes, os personagens marginalizados pela sociedade aparecem nas margens da tela. As mulheres são as principais personagens do filme e sempre servem como ponto de apoio uma das outras, enquanto os perigos sempre são masculinos, como os motoristas ou o empregador que deseja pagar um salário absurdamente baixo. Antonio é alguém difícil de ler, o que torna a cena final ainda mais impactante e inesperada.

Mais Pesado é o Céu (2023)

Mais Pesado é o Céu tem algumas construções convenientes, como um rádio que se liga quando precisamos saber de alguma informação ou momentos em que parecem ter sido criados apenas para adicionar belas imagens ao filme. Exemplo disso é quando Teresa está caminhando na estrada em plano aberto, até que Antonio aparece caminhando do outro lado, os dois param cara a cara para soltar alguma frase de impacto.

Ou quando Antônio vê uma chave de fenda no carro de um motorista, que outro dia aparecerá novamente e irá estuprar Teresa; a chave de fenda acaba por ser usada por ela como arma contra o criminoso, mas fica claro que foi mostrado na cena anterior apenas como uma espécie de pré-anuncio para o público. Esses são alguns dos detalhes que acabam tirando alguma naturalidade e sutileza do filme. O longa também tem alguns didáticos e explicativos.

A cena final do filme é visceral e muito realista. Inicialmente com Antonio segurando o bebê e ouvindo a voz de Teresa longe. Após Teresa conseguir nocautear o estuprador, ela busca Miguel, toma o carro e foge rumo ao seu destino. Antônio também golpeia o estuprador, sem intenção alguma de parar, como se guardado aquilo dentro de si há muito tempo, há muitos anos. Olhando para a câmera, ele enfim tem uma reação.

Mais Pesado é o Céu é um retrato da violência, da opressão, da frustração e da busca pela liberdade. É sobre o Brasil profundo e sobre seguir em frente. É um filme brutal, com dores palpáveis. Não é um filme confortável de assistir e certamente ficará ressoando na mente de quem o assistiu por algum tempo. É mais um ótimo exemplo de como o cinema cearense é um dos melhores da atualidade.