[Crítica] Entrevista com o Demônio (2023)
Entrevista com o Demônio se destaca pela narrativa. O filme se apresenta como uma história real ao iniciar com cenas de um suposto documentário sobre o personagem principal. Nessa sequência de imagens, descobrimos sobre a história de Jack Delroy (David Dastmalchian), apresentador de um talk show que alcançou o sucesso mas nunca foi o número 1. A audiência do seu programa despenca, sua esposa morre e o apresentador precisa fazer algo para resgatar o público.
O apresentador faz parte de uma sociedade secreta misteriosa que é conhecida por fazer ou destruir carreiras. Após o luto pela morte da esposa, Delroy retonar às telas com o objetivo de alavancar sua carreira e decide fazer um especial de Halloween em seu programa. Após essa introdução, começamos a assistir ao programa especial de Halloween em questão. Após os minutos iniciais do “documentário”, todo o restante do filme segue reproduzindo o talk show na íntegra, incluindo também os momentos dos bastidores durantes os comerciais televisivos.
No especial de Halloween, Delroy recebe quatro convidados, entre eles a parapsicóloga June Ross-Mitchell (Laura Gordon) e sua paciente Lilly (Ingrid Torelli), única sobrevivente de um culto satânico e supostamente possuída por uma entidade maligna, o Sr. Torto. Nós assistimos a todo o programa e vemos a entrevista com cada um dos convidados, incluindo o médium Christou (Fayssal Bazzi) e o cético Carmichael (Ian Bliss), que afirma conseguir desmentir todos os casos paranormais. A ideia de Delroy é que os temas polêmicos, principalmente a entrevista com Lilly, supostamente possuída por um demônio, o ajudará de vez a alavancar a audiência e chegar ao topo. Afinal, vale tudo por audiência?
Entrevista Com o Demônio acerta muito ao apostar na ambientação dos anos 1970. Toda a vibe daquela década está ali. Também é uma ótima década para retratar filmes de terror. Além disso, também acerta em toda a estética de found footage, que também adiciona elementos de tensão e terror ao longa. É muito legal assistir aquele programa que foi ao ar ao vivo em 1977 e passar por todas as emoções que ele provocou em quem assistiu.
Todo o elenco também é um grande acerto do filme. Cada personagem consegue transmitir com precisão variados sentimentos, como o médium meio canastrão que por acaso acerta sobre a vida de uma das pessoas da plateia ou Carmichael tentando desmentir tudo o que vê, até mesmo quando os acontecimentos sobrenaturais estão cada vez mais escancarados. O filme consegue equilibrar humor e terror na maior parte do tempo, e todo esse equilíbrio é ancorado principalmente pelo elenco.
Mas o destaque fica por conta de David Dastmalchian, no papel do apresentador que conduz todo o programa. Ele consegue transmitir todo o carisma necessário para um apresentador de talk show e ainda consegue evidenciar o seu lado humano, mais frágil e inseguro em busca de aprovação e sucesso, enquanto nos dá olhares cúmplices. Ingrid Torelli também se destaca ao interpretar a garota supostamente possuída. Os momentos em que ela faz contato visual com a câmera por alguns segundos a mais que o normal causam desconforto.
No filme, a todo momento sabemos que algo muito errado está para acontecer e por isso a tensão está sempre no ar. O suspense é palpável e o ritmo do longa instiga. A ficção com roupagem de documentário ajuda a prender a atenção durante toda a sua duração. A construção de toda a história é lenta, mas ainda assim o ritmo é fluido. A sequência final é um pouco estranha e exagerada, e parece ter saído um pouco do tom que havia sido construído até então, mas não chega a tirar todos os méritos do ótimo filme. Por ter se proposto a ser uma espécie de documentário, um filme de found footage, o terceiro ato desvia desse propósito e acaba enfraquecendo o enredo; vira um artifício para tentar chegar ao clímax.
Senti um anticlímax quando entramos no delírio de Delroy, logo depois daquele ápice com a possessão de Lily. Mas a cena final, quando saímos daquele delírio, recupera um pouco daquilo que quase se perdeu e voltamos ao universo documental que aconteceu durante todo o filme. Entrevista Com o Demônio é um filme coeso, bem trabalhado, com técnica perspicaz e que trabalha a tensão do início ao fim – embora com leve tropeço.