Crítica

[Crítica] Pearl (2022)

Enquanto X – A Marca da Morte (2022) falava sobre desejos reprimidos e a crueldade da cultura que idealiza a juventude, Pearl (2022), mais uma colaboração do diretor Ti West com a atriz Mia Goth, explora a juventude da idosa assassina que aparecia no filme anterior. Se no primeiro filme Mia Goth já se destacava brilhantemente ao interpretar Maxine e Pearl, aqui ela se apropria ainda mais da personagem e entrega uma performance com ainda mais potência.

Em 1918, Pearl mora com sua mãe controladora (Tandi Wright) e sonha em se tornar uma estrela de Hollywood. Ela cuida de seu pai, que está em estado vegetativo (Matthew Sunderland), e é casada com um homem que mal conhece e que foi para a guerra. O filme acontece em cenário ameaçado pela gripe espanhola, com pessoas usando máscaras e a Primeira Guerra Mundial. Todo o horror/slasher/rural/erótico segue aqui, assim como o bom humor e as belas imagens ao longo do filme. São filmadas cenas abertas em plantações de milho e longos campos verdes, assim como planos fechados que escancara a deterioração de Pearl e de seus sonhos.

Pearl (2022)

Pearl é uma prequel de X – A Marca da Morte e segunda parte da trilogia, que se encerra com MaXXXine (2024). Se no primeiro filme nós focamos em Maxine e vimos um pouco sobre a assustadora Pearl, aqui nós conseguimos entender mais as suas dores e história, sem justificar todos os horrores que ela comete. Todo esse fio é conduzido de forma magnética, intensa, desconfortável e sutil por Mia Goth. Enquanto no primeiro filme a atriz interpretou uma Pearl repulsiva, aqui ela interpreta uma Pearl jovem, inocente e cheia de sonhos e ilusões.

Pearl é um belo e forte estudo de personagem. O roteiro foi escrito por Ti West e Mia Goth, o que pode explicar como a atriz se apropriou ainda mais da personagem. A atriz consegue ir da fragilidade à fúria com naturalidade. Ela se consolida como uma atriz versátil e com performances poderosas após retratar três personagens diferentes, a MaXXXine, a idosa e assassina Pearl e a jovem sonhadora e insana Pearl. Os desejos reprimidos continuam aqui, com referências inesperadas a O Mágico de Oz na cena da personagem com o espantalho no campo de milho.

Pearl (2022)

O filme tem cenas fortes, como o monólogo de Pearl ou a desconcertante cena final durante os créditos. Mesmo que a gente saiba quais coisas Pearl fez no futuro, já que tudo é retratado no primeiro filme da trilogia, o longa serve para humanizar e dar camadas e profundidade à personagem. Não é um terror com jumpscares, esse não é o intuito aqui, mas é profundo e certamente deixa cenas gravadas em nossa mente.

O sangue e o humor presentes no primeiro filme se repetem. Pearl consegue equilibrar entre o slasher com cenas gráficas, com a confusão mental e ambiguidade da personagem e sua jornada rumo à loucura. Mas, mesmo com mortes gráficas e muito sangue, o momento mais poderoso e sombrio do filme é o monólogo da protagonista, feito com a câmera focada em seu rosto e sem nenhum artifício além de sua expressividade.

Pearl (2022)

Tudo na vida de Pearl começa a desandar após sua cunhada Mitsy (Emma Jenkins-Purro) acender nela a esperança por uma vida melhor ao participar de uma audição. Mas a cunhada é selecionada na audição e Pearl, não. E é no monólogo, o estopim de tudo, que temos acesso a tudo que aqueles anos de repressão, isolamento, abusos e sonhos perdidos causou na mente da protagonista.

A história de Pearl é simples e potente, com bela fotografia e uma angústia palpável a cada minuto. Mais um acerto da parceria entre Ti West e Mia Goth. O filme tem total foco em Pearl e os demais personagens servem apenas para virar ainda mais o holofote para ela. No filme em que assistimos, Pearl finalmente vira a estrela que tanto sonhou ser durante toda a sua vida. Pearl é um filme que até mesmo quem não aprecia o gênero terror pode gostar. E apesar da personagem aparecer – e ser bem importante – em X – A Marca da Morte, não é obrigatório assistir ao filme anterior para entender esse. Os dois filmes se complementam, mas também funcionam bem sozinhos.

Pearl (2022)

Pearl tem um ritmo lento, construindo a tensão a cada cena. O início do filme introduz e aprofunda a personagem. A segunda parte tem mais sangue e a maldade da personagem começa a aparecer. esmo com a construção narrativa lenta, Pearl tem um final frenético e perturbador. Os figurinos também ajudam a contar a história, com peças icônicas como o macacão jeans ou o vestido vermelho.

Como disse Martin Scorsese, “Pearl cria 102 minutos selvagens, hipnotizantes, profundamente – e quero dizer profundamente – perturbadores. West e sua musa e parceira criativa Mia Goth realmente sabem como brincar com seu público… antes de enfiar a faca em nossos peitos e começar a torcer”.

Pearl (2022)

Filmado em Technicolor e novamente com um olhar carinhoso e nostálgico para clássicos do cinema, Pearl consagra Mia Goth como musa do terror e Ti West como um dos melhores cineastas do gênero. Pearl mistura comédia, tragédia e horror de forma perturbadora e desconcertante. Após os dois acertos, as expectativas para MaXXXine (2024) não poderiam estar mais altas.