Crítica

[Crítica] Peles (2017)

“O mundo é horrível, o ser humano é horrível… Mas não podemos fugir disto. Porque nós somos o horror”

Peles foi um achado na Netflix. O filme espanhol faz uso do absurdo e do surreal para falar sobre padrão de beleza, auto-aceitação, rejeição e do mundo contemporâneo. Peles deu o que falar no Festival de Berlim.

O filme foi escrito e dirigido pelo estreante Eduardo Casanova. Ele nos mostra alguns dos personagens mais surreais que já pude presenciar num longa.

Laura (Macarena Gómez) não tem olhos e utiliza dois diamantes no lugar em que os olhos ficam. Ana (Candela Peña) tem metade do rosto deformado. Guille (Jon Kortajarena) queimou completamente o rosto num acidente. Cristian (Eloi Costa) sofre distúrbio de personalidade e não aceita as suas pernas, por isso faz plano para perdê-las. Ele se inspira em sereias, já que elas não têm pernas. Vanesa (Ana María Ayala) é anã e tenta ser vista além de seu trabalho, como mascote de um programa infantil. Samantha (Ana Polvorosa) tem um ânus no lugar da boca (!) – e uma boca no lugar do ânus.

Com essas breves descrições sobre os personagens principais já dá para ter uma noção do tom surreal do filme. Em alguns momentos, podemos sentir que o filme está apenas “adicionando cenas” e personagens de maneira um pouco dispersa. Mas ainda assim consegue fazer as histórias de seus personagens principais se cruzarem. Além de escancarar em vários momentos a crítica social. No filme, os personagens principais são todos abusados ou explorados pelos personagens “normais”. São ridicularizados, estuprados, explorados ou fetichizados.

E o filme mostra que, às vezes, a rejeição ou opressão começa em nosso lar. A menina que tem um ânus na boca, por exemplo, em cena cena folheia um caderno repleto de recortes de belas bocas. Numa cena, ela coloca um desse recortes em sua boca. Mas para o seu pai a solução para o problema e inadequação da filha é simples: ela deve viver escondida. E, se sair de casa, deve sair escondendo a sua deformidade. Ele compra uma máscara de unicórnio para que sua filha saia de casa com o rosto coberto. Ela tem todas as suas selfies excluídas do Instagram por conter nudez.

Outro ponto alto de Peles – e isso é muito importante num filme como esse – é o trabalho de maquiagem. Todas essas características excêntricas dos personagens principais foram preparadas com muita competência, mesmo. Mas vale frisar que o filme não utiliza apenas personagens com maquiagem para destacar o grotesco. Há também personagens com condições reais, como obesidade mórbida, nanismo, queimaduras ou com “deformações mentais”.

Por baixo das deformidades e tom surreal, o filme conta uma delicada e sutil história sobre os padrões impostos pela sociedade, que se apega à estética cada vez mais. O filme mostra que, quando alguém está fora do que a sociedade considera “aceitável” ou está dentro do padrão, precisam se esconder ou viver como se estivessem fazendo algo de errado. Ao mesmo tempo em que somos apresentados a cada uma das deformidades – e nos aprofundamos em cada história -, Peles usa e abusa das cores rosa e roxo.

Apesar de não ser um filme perfeito – a história, no fundo, não deixa de ser um pouco superficial -, Peles consegue causar impacto com sua narrativa grotesca e transmitir a mensagem que Eduardo Casanova pretendia. O argumento do filme é bem comum e clichê: devemos ser felizes com nós mesmos e aceitar as diferenças dos outros, todos merecem respeito e o importante é o nosso interior. É, sim, uma mensagem bem batida, mas contada com uma estética totalmente peculiar. Provocante e incômodo, o filme já vale para nos deixar atentos para os próximos trabalhos do diretor novato.

“A pele muda. Sofre cirurgias, envelhece ou se transforma. A aparência física não é nada. Absolutamente nada”