Crítica

[Crítica – Mostra SP 2025] Apolo de Dia Atena de Noite (2024)

Dirigido e roteirizado por Emine Yıldırım, Apolo de Dia Atena de Noite conta a história de Defne (Ezgi Çelik). Ela parte rumo à antiga cidade turca de Side em busca da mãe que nunca conheceu e sua única pista é uma velha fotografia que mostra a mulher diante de uma árvore local, com o rosto parcialmente escondido pela mão. A própria Defne narra essa jornada, já na primeira cena: “Estou na estrada há dois meses. Meu dinheiro está acabando. Não posso voltar sem te encontrar.”




Na busca por sua mãe biológica — que acredita estar morta —, a órfã Defne cruza o caminho de pessoas que também precisam de ajuda. Sem querer, torna-se uma espécie de mediadora entre vivos e mortos, uma “curadora” de almas que tenta resolver pendências deixadas para trás.

Ela encontra Hüseyin (Barış Gönenen), personagem que nos leva a refletir sobre as feridas abertas da história política turca: morto pela polícia e com o corpo jamais encontrado, ele vaga entre mundos — como tantos desaparecidos vítimas da violência do Estado.

Apolo de Dia Atena de Noite

Há ainda Selma (Deniz Türkali), dona da pequena pousada onde Defne se hospeda. Casada com um homem que vive a diminuí-la, ela representa outra mulher oprimida. Também há Nazife, interpretada por Selen Uçer. Ela foi vítima de violência doméstica e acabou se prostituindo, deixando a filha para trás. Agora, do outro lado, busca reconciliar-se e ser compreendida. Por fim, há uma sacerdotisa ancestral, vivida por Gizem Bilgen, que perdeu a voz.

À Defne, cabe compreender o que cada espírito precisa para finalmente se libertar do mundo dos vivos. O filme também trata do processo de transformação interior de Defne. Se no início ela surge impaciente e pouco permeável, a convivência com os fantasmas força um outro tipo de escuta. Confrontada por histórias que não são a sua própria, ela aprende a reconhecer as diferenças, ceder espaço e tratar dores alheias com seriedade. É aquele arco clássico de amadurecimento.




Todos os elementos da narrativa acabam criando um descompasso no tom do filme. Às vezes, o conflito pesa – como quando há a presença opressiva do marido morto da dona da pousada -, em outros momentos, tudo é leve demais. Em alguns momentos, o roteiro investe na densidade dos vínculos entre os personagens, enquanto em outros, esvazia totalmente o peso ao tratar conflitos de forma superficial. A fotografia tampouco contribui para o envolvimento. A câmera parece mais interessada nas paisagens costeiras – repetidas em várias cenas – do que nos personagens.

Apolo de Dia Atena de Noite

Lá perto do fim, a narração concluí o que já estava claro: a necessidade de escutar os que ficaram e os que partiram, e de recompor laços rompidos. O desfecho adota um otimismo resolutivo: desavenças se desfazem, mãe e filha se reaproximam, e cada espírito alcança exatamente aquilo que buscava. A rapidez com que antigas pendências — algumas com séculos de espera — se resolvem confere ao final um ar novelesco, em que a conciliação desejada pesa mais que a complexidade dramática.




O roteiro não consegue dar profundidade a essas passagens espirituais. As histórias da prostituta e da sacerdotisa se resolvem de maneira burocrática, sem emoção, por exemplo.

Apolo de Dia Atena de Noite

Apesar das boas intenções e da força simbólica da proposta, Apolo de Dia Atena de Noite termina sem alcançar o impacto emocional que parece buscar. Falta vigor na condução e coerência no tom, mas é possível reconhecer em Emine Yıldırım uma voz autoral em formação — interessada em temas de memória, perda e reconciliação.

É um filme de boas intenções e ecos poderosos, que tropeça na própria delicadeza. Ao tentar equilibrar o real e o espiritual, Yıldırım acaba diluindo ambos — e o que poderia ser uma reflexão profunda sobre a escuta e o luto se torna apenas um exercício irregular de estilo.

Apolo de Dia Atena de Noite faz parte da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro. O filme foi vencedor do prêmio de melhor filme da seção Asian Future no Festival de Tóquio.