[Crítica] Coringa: Delírio a Dois (2024)
Coringa: Delírio a Dois começa em forma de desenho animado, no estilo Looney Tunes, nos mostrando o Coringa e a sombra do Coringa. O Coringa é possuído por sua sombra violenta, que ataca pessoas. Indo ao presente e à vida real, Maryanne Stewart (Catherine Keener), advogada de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), está preparando o cliente para o que chamam de “O Julgamento do Século”.
Após matar Murray Franklin (Robert De Niro) ao vivo na televisão, Arthur Fleck é famoso: já foi escrito um livro e feito um filme sobre ele e ele tem fãs. Arthur sofre abusos e espancamentos constantes dos guardas; Jackie Sullivan (Brendan Gleeson) passa os dias pressionando Arthur para que ele conte uma piada, que nunca vem. Maryanne tenta, com um psiquiatra, fazer com que Arthur reconheça que sofre um tipo de esquizofrenia ou transtorno dissociativo de identidade no julgamento, já que a única maneira de evitar que ele seja condenado à pena de morte é alegar insanidade. Já os seus fãs desejam que ele abrace de vez o seu lado violento.
Arthur passa os dias na prisão deprimido, sendo conduzidos pelos cantos, até que cruza os olhos com Lee Quinzel (Lady Gaga), que participa de aula de canto, e fica encantado. Lee conta que ateou fogo à casa dos pais, que seu pai bate nela, que mora no mesmo bairro que Arthur e que assistiu ao filme sobre ele pelo menos vinte vezes. Ela diz que não se sentiu tão sozinha na vida depois de conhecer a história dele. Ela é tudo que Arthur imaginou sobre Sophie (Zazie Beetz) quando a conheceu. Mas Lee Quinzel não olha para Arthur Fleck, e sim para o Coringa. E o primeiro erro do filme é fugir de seu próprio título, “delírio a dois”, e não aprofundar a personagem da Arlequina. O que a motiva? Não saberemos. A personagem e a atriz não são bem aproveitadas.
Enquanto o julgamento acontece, o exército de incels fãs do Coringa se junta, todos vestidos como ele e com a maquiagem dele, torcendo para a sua vitória. Arthur não existe para os incels, apenas o Coringa. Lee também fetichiza a ideia de Arthur como o Coringa. O primeiro filme parece nos convidar a torcer por Arthur personificando a sua ira no Coringa e se transformando nele. Mas Todd Phillips e Scott Silver, roteiristas do filme, dessa vez não parecem querer abraçar totalmente nenhum discurso e entregam um filme cheio de diálogos superficiais e cenas lentas, com roteiro repetitivo e maçante.
Quando Coringa: Delírio a Dois foi anunciado como musical, inicialmente estranhei, mas logo pensei que uma decisão tão inesperada e aparentemente sem sentido poderia acabar sendo genial e surpreendente. Como boa parte da existência de Arthur acontece com ele se refugiando em sua mente, o uso de sequências musicais para expressar isso poderia fazer sentido. Mas o ritmo maçante do filme decepciona ainda mais quando algumas cenas nos fazem lembrar que aquilo supostamente seria um musical. Os personagens cantam, muitas vezes em tons bem baixos, como se o diretor tivesse vergonha de vestir a camisa do gênero. Os dois personagens pausam a história diversas vezes para cantar alguma música enquanto a história não avança; e continua sem avançar depois da cantoria acabar.
Joaquin Phoenix e Lady Gaga não são um dos (vários) problemas do filme. Os dois atores estão ótimos e competentes em seus papéis, mesmo com um roteiro fraco para trabalhar. E o principal problema está aí, no roteiro. Existe muito potencial para criar uma Arlequina fascinante, e ele é totalmente desperdiçado. Se a personagem fosse totalmente removida do filme, mal faria diferença. Ela está ali apenas para ser obcecada pelo Coringa e encorajar Arthur a abraçar de vez esse seu lado. A dinâmica e atração entre os dois personagens poderia ser melhor explorada e aprofundada.
Coringa: Delírio a Dois não parece ter sido feito para quem gostou do primeiro filme, mas também não parece ter sido feito para ninguém. É um desperdício do brilhante talento de Joaquin Phoenix e Lady Gaga. O longa parece ressentido com o filme original e uma parte do público que conquistou. O Coringa em si parece uma rápida participação especial em alguns momentos. As poucas boas ideias que o filme introduz não são elaboradas, como se os roteiristas não fossem capaz de ir mais fundo, ou simplesmente não tivessem interesse.
A pouca força que Coringa: Delírio a Dois têm está nas costas das atuações comprometidas de Joaquin Phoenix e Lady Gaga, na fotografia e na trilha sonora de Hildur Guðnadóttir. O filme tem boas atuações da dupla e cenas com imagens bonitas. No mais, o longa parece uma resposta às críticas que o primeiro filme recebeu, de que pessoas maltratadas pela sociedade e pelo sistema poderiam se inspirar no Coringa. Parece que, além de passar o filme inteiro corrigindo as respostas irracionais ao primeiro filme, não há mais nada a dizer e não há motivo para a sequência existir.
Coringa: Delírio a Dois é um filme morno, inexpressivo, sem pulso, sem ambição e sem alma. É um filme indefinido, que às vezes tenta ser musical, mas sem muita força, às vezes tenta ser um drama de tribunal, com algumas boas cenas, mas também sem muita força, e às vezes tenta mostrar o romance entre Arthur e Lee, sem ter muito interesse em desenvolver isso. Também é sem personalidade; algo que não era um defeito do primeiro filme, para o bem ou para o mal.
Não há nada que justifique a existência dessa sequência. A única motivação que parece haver para que ele tenha sido realizado são interesses financeiros. As ideias iniciais de fazer a sequência como musical e tentativa de drama de tribunal para fazer um maior estudo do psicológico do protagonista podem parecer boas, mas foram traduzidas em um roteiro repetitivo e cansativo. Nos quase 140 minutos de duração, Coringa: Delírio a Dois acrescenta quase nada ao universo que criou no primeiro filme.