[Crítica] Entre Nós (2025)
O ponto de partida de Entre Nós é simples e caótico ao mesmo tempo: o que aconteceria se um homem engravidasse duas mulheres praticamente no mesmo período? A comédia romântica de Chad Hartigan parte dessa provocação aparentemente leve, até meio marcada por uma sexualização rápida, mas logo revela uma ambição muito maior. O que parecia ser apenas mais uma narrativa despretensiosa se transforma em algo mais maduro, interessado nas repercussões das escolhas de seus personagens e na forma como cada um precisa lidar com circunstâncias desconfortáveis criadas por eles mesmos.
Assisti sem esperar grande coisa e saí do cinema tocada, depois de uma sessão que toca em temas delicados de forma sensível e que também diverte. Até mesmo o título em inglês, The Threesome, sugere uma obra mais boba, mas o filme está distante disso que pode aparentar inicialmente.

A premissa do filme até soa possível, mas não muito provável. Ainda assim, se você embarca na proposta, rapidamente se vê diante de uma comédia romântica contemporânea charmosa. O filme funciona sobretudo graças às atuações inspiradas de Ruby Cruz, Jonah Hauer-King e Zoey Deutch, que conseguem extrair emoção genuína de um cenário que, à primeira vista, parece absurdo, mas acaba revelando pequenos momentos de inesperada magia e profundidade.
Olivia (Deutch) e Connor (Hauer-King) tiveram um encontro íntimo no passado. Meses depois, se reencontram no casamento de um amigo em comum, e ela o rejeita sem pensar duas vezes. Mesmo assim, Connor insiste. Ele aparece no restaurante onde Olivia trabalha alegando querer cumprimentar Greg (Jaboukie Young-White), colega dela e amigo dele. Olivia inicia o processo habitual de afastá-lo, mas Greg chama atenção para uma mulher sozinha na mesa ao lado, Jenny (Cruz). A deixa perfeita para provocar ciúmes? Talvez.

Funciona tão bem que os três terminam a noite juntos: vão para uma pista de dança, bebem, riem e acabam no apartamento de Connor. Lá, a dinâmica vira um ciclo de beijos cruzados que cresce sem que ninguém pare para pensar demais. A sequência do trio captura a energia intensa que move os três personagens, impulsionados tanto pela bebida quanto pelo desejo. O enquadramento inclui os três com igual importância, algo raro em representações audiovisuais de trios, e o uso do close aproxima o espectador: mãos que se misturam, corpos indistinguíveis, pequenos sons que não se sabe de quem vêm.
Corte para o dia seguinte. Olivia já foi embora, Connor divide o chuveiro com Jenny, e depois a acompanha até a saída. Logo em seguida, encontra Olivia numa cafeteria, e dali nasce uma relação carinhosa e divertida, que se estende por algumas semanas… até o momento em que ele encontra um teste de gravidez.

Apesar do choque, não é uma descoberta que devasta os dois. Olivia baixa a guarda, abandona o sarcasmo habitual por alguns instantes e os dois admitem o que sentem um pelo outro. Começam a fazer planos. Ela decide seguir com a gestação e, juntos, tentam imaginar como será o futuro. Olivia chega a conhecer a mãe de Connor (Julia Sweeney) e, ao voltar para o apartamento, encontram Jenny na varanda… Ela também está grávida.

Um dos temas mais fortes da obra é a responsabilidade, e o filme sabe torná-lo universal. Quase ninguém entra em uma nova fase da vida sentindo-se pronto: um emprego novo, um relacionamento, um compromisso inesperado. O roteiro de Ethan Ogilby é ágil, perspicaz e surpreende o espectador repetidas vezes, especialmente no primeiro ato. Havia diversas rotas seguras para essa trama seguir, mas Ogilby opta por um rumo ousado e incomum, fazendo o longa sempre quebrar expectativas e surpreender. Apesar de alguns momentos em que a trama flerta com exageros, o filme se mantém firme enquanto aumenta sua complexidade e toca até mesmo em discussões políticas contemporâneas, como o aborto.

Ainda assim, Entre Nós está longe de ser um filme antiaborto. Muito pelo contrário. O longa reconhece que a discussão não gira em torno de bebês, mas de autonomia, do direito das mulheres de decidir o que fazer com seus corpos sem serem coagidas legal ou moralmente. Olivia e Jenny seguem adiante com as gestações, sim, mas somente depois de ponderarem a decisão com cuidado. A escolha é parte essencial do humor e da mensagem da história, e o roteiro deixa claro que cada uma delas chega ao seu próprio caminho.

O que faz Entre Nós funcionar, acima de tudo, é sua imprevisibilidade. Cada cena toma um rumo que contraria o esperado, e a narrativa não perde ritmo. Há uma progressão clara, com cada acontecimento puxando o próximo e ampliando as consequências sem descambar para a bagunça. Ao final, o filme não só diverte, como provoca reflexões sobre os “roteiros” pessoais e sociais que acreditamos que devemos seguir nas relações e como esses modelos podem ser desmontados com extrema facilidade. Quanto mais a narrativa se aprofunda, maior o grau de nuance que Hartigan extrai dessa situação absurda. A comédia não vem apenas dos erros cometidos, mas de como cada personagem tenta decifrar as pressões sociais ao redor deles.

O filme estabelece rapidamente seus conflitos, permitindo que os dois últimos atos tenham espaço para respirar, especialmente nas conversas mais intensas. As apresentações dos personagens são precisas o suficiente para fazermos parte da dinâmica quase de imediato. Os personagens nunca são tratados como piada. O humor não nasce de estereótipos, mas das situações insanas em que eles se veem presos. Com 112 minutos, o longa nunca parece apressado e tampouco se alonga mais do que deveria e equilibra desenvolvimento, emoção e humor de forma eficaz. A direção de Hartigan organiza todas as peças de um roteiro excelente e o resultado final é muito satisfatório de assistir.

Entre Nós funciona como uma reflexão delicada sobre o que significa buscar a felicidade quando a vida desvia bruscamente da rota que consideramos ideal. O terceiro ato levanta questões difíceis, das quais o desfecho, ainda que satisfatório como romcom, não dá conta completamente. Hartigan tenta escapar das exigências tradicionais do gênero, mas acaba cedendo parcialmente a elas, como geralmente acontece na vida real. Nesse sentido, as possibilidades levantadas pela premissa e desenvolvimento ousados são mais ricos do que as respostas finais. Mas isso está longe de tirar qualquer mérito do filme e não diminui a ousadia de tudo que veio antes.

Mesmo com essas concessões naturais ao gênero, Entre Nós pode não ser perfeito, mas chega bastante perto: uma combinação de elementos familiares reconfigurados com frescor suficiente para fazê-lo se destacar no mar de comédias românticas contemporâneas. O filme abraça a tradição do gênero, mas a distorce o suficiente para comentar e pensar o presente, oferecendo algo que soa familiar e novo ao mesmo tempo.

No fim das contas, Entre Nós é aquele tipo raro de comédia romântica que acerta em praticamente tudo. Se a ideia é acompanhar personagens bem construídos tentando lidar com uma situação improvável, enquanto ri, reflete e se emociona, dificilmente se encontra algo mais eficiente. O filme é engraçado, doce, esquisito, terno e, quando quer, bastante sexy. Ao tratar temas tradicionalmente evitados, como aborto, trios, identidades de gênero, o caos do início da maternidade, com humor, sensibilidade e seriedade quando necessário, o filme conquista.
VEREDITO: Uma comédia romântica que abraça o caos, desafia convenções, reflete sobre temas contemporâneos e encontra frescor onde menos se espera.
