[Crítica] Homem com H (2025)
Homem com H é uma cinebiografia de Ney Matogrosso, que mostra desde a sua infância até se tornar um dos maiores nomes da música brasileira. O longa mostra desde sua infância em Bela Vista, no Mato Grosso do Sul, passando pelo início da juventude e embate com seu pai, até sua mudança para São Paulo e início da vida artística.
O longa segue o modelo clássico de cinebiografias. Ao abordar um período tão longo da vida do artista, é natural que algumas fases e tópicos sejam abordados de forma mais rápida e outros de forma mais aprofundada. Ainda assim, a sensação que fica é de que o filme é completo e transita por todos os caminhos que deveria para mostrar o artista grandioso que Ney é.

Jesuíta Barbosa está impecável. Sempre adorei o ator, estava com expectativa alta para ver o trabalho que ele entregaria e não poderia imaginar nada melhor que isso. Ney Matogrosso tem todo um lado teatral, performático. Por isso, seria fácil tentar reproduzir isso de forma artificial ou até exagerada, como uma caricatura. Felizmente não é o que acontece. Jesuíta entrega uma performance consistente, delicada, visceral e profunda, seja corporalmente, seja no seu olhar ou na sua voz. É hipnotizante.
Embalado por algumas das músicas brasileiras mais icônicas da história, Homem com H emociona e prende a atenção do início do fim. Em alguns momentos, é difícil não se emocionar. Em outros, dá vontade de ficar cantando junto com o filme. Por mais que as músicas sejam grandiosas e potentes por si só, elas nunca estão ali apenas como trilha sonora. As músicas sempre ajudam a contar a história e a traduzir o que não foi dito ou aprofundar o que foi dito e sentido.
O filme também aborda a epidemia de HIV, que devastou vidas na comunidade LGTBQIA+, e mostra como isso afetou Ney e as pessoas à sua volta. É um filme linear, mas que consegue impactar quem assiste. E mesmo seguindo uma narrativa linear, consegue fazer experimentações visuais metafóricas condizentes com a veia artística de Ney.

Assim como as músicas são inseridas no roteiro com um propósito, todos os fatos sobre Ney Matogrosso também são. O filme nunca passa a sensação de que está nos contando uma “fofoca” ou uma “curiosidade” sobre o artista. Em vez disso, o filme mostra cada acontecimento e cada personagem da vida dele como uma parte fundamental para construir a sua história, sem fazer isso de forma maniqueísta. Ney é mostrado por inteiro, sem nunca ser colocado dentro de uma caixinha, pois ele não caberia – e nunca tentou caber.
Esmir Filho, responsável pela direção e roteiro, cria um filme provocativo, artístico, sensível, sensual, político e cheio de afeto. O cineasta cria muito mais que uma simples homenagem e consegue fazer o espectador compreender a grandiosidade e importância de Ney. O filme nunca tenta enquadrar Ney em uma caixinha. Tudo isso atinge o ápice por ser embalado pela condução emocionante e entregue de Jesuíta.

O elenco de apoio, Bruno Montaleone, Jullio Reis, Hermila Guedes e Rômulo Braga, também engrandecem e dão consistência ao filme. Hermila consegue transmitir toda a doçura e compaixão que a mãe sente, enquanto Rômulo consegue entregar uma performance consistente e dura de alguém que não aceita o filho por quem ele é. Bruno Montaleone e Jullio Reis, que interpretam Marco de Maria e Cazuza, respectivamente, também entregam performances consistentes e logo conseguem nossa simpatia. Ainda que não sejam personagens completamente desenvolvidos, já que não é o foco do filme, os dois personagens têm peso e importância para a história.
Homem com H é um manifesto sobre ousar ser livre, sobre amor, sobre ter coragem de existir por inteiro. É um retrato sensível, visceral e inteiro de um dos grandes ícones da música brasileira. É a história de um artista que se posicionou contra a Ditadura Militar, que provocou com suas roupas, maquiagens e performances, que foi um ícone contra a opressão e repressão. Homem com H foi uma ótima surpresa e já é um dos melhores filmes nacionais do ano.

