Crítica

[Crítica] Pequenas Coisas Como Estas (2024)

Pequenas Coisas Como Estas se passa na Irlanda, em 1985, anos antes das Lavanderias de Madalena serem expostas ao mundo. Essas instituições existiram entre o século XVIII e o final do século XX.

Essas instituições eram casas de “mulheres perdidas”, como consideravam mães solteiras e suas filhas, mulheres com deficiência física e mental, mulheres “promíscuas”, vítimas de estupro, prostitutas… A missão desses conventos era “reabilitar” essas mulheres para que elas retornassem à sociedade. No século XX, essas casas mais se pareciam com uma prisão e as mulheres eram obrigadas a realizar trabalhos físicos intensos, com carga horária diária longa, silêncio forçado… É estimado que, apenas na Irlanda, 30 mil mulheres passaram por essas instituições. A instituição de Waterford encerrou suas atividades apenas em 1996. Em 2011, a comissão da ONU Contra Tortura pediu ao governo da Irlanda para que instaurasse inquérito investigando as denúncias de maus-tratos desses locais. Em 2013, o relátorio apontou que o governo da Irlanda foi conivente com trabalho escravo.

Pequenas Coisas Como Estas se passa no Natal de 1985, mas está longe de ser um “filme natalino” como estamos acostumados a ver na época. O longa foi adaptado do livro de Claire Keegan sobre essas mulheres que, por mais de 200 anos, foram consideradas não-dignas da sociedade e transformadas em escravas por freiras que queriam “reformá-las”.

Pequenas Coisas Como Estas (2024)

Em Pequenas Coisas Como Estas, vemos como a população que vivia ao redor dessas instituições sabiam dos horrores que aconteciam ali, mas lidavam com apatia – ou medo de ir contra a Igreja, que tinha influência para destruir quem ficasse contra ela. Neste cenário, acompanhamos Bill Furlong (Cillian Murphy), um entregador de carvão, que testemunha alguns incidentes e sente cada vez mais dificuldade em continuar em silêncio sobre o que acontece naquele lugar.

Pequenas Coisas Como Estas não mostra as barbaridades do local de forma tão explícita. Muito do contexto do filme está nas entrelinhas, o que deixa o seu ritmo mais lento na maior parte do tempo. A maioria das coisas é insinuada e acompanhamos a história sobretudo pelos sentimentos de Furlong, transmitidos de forma excelente pelo ator, e toda a dor que ele traz dentro de si. O que ele descobre se mistura ao seu trauma passado. Há várias cenas em que ele lava compulsivamente as mãos, como se estivesse tentando limpar ou se livrar de algo que não consegue.

Pequenas Coisas Como Estas (2024)

Um dia, em uma ida de rotina ao convento, Bill encontra uma jovem limpando o chão e ela implora por sua ajuda para escapar dali, mas ele nada pode fazer. Bill até tenta conversar sobre o assunto com sua esposa Eileen (Eileen Walsh), mas ela prefere desviar o olhar e focar no que acreditar ser o melhor para sua família.

Quando Bill encontra uma garota escondida no galpão de carvão, ele a leva para casa e, depois, para a Irmã Mary (Emily Watson), que faz ameaças veladas, em mais uma cena repleta de tensão nas entrelinhas. O que aquilo evoca faz Bill querer agir. A atuação de Murphy é contida, mas profunda, e traz muita humanidade para a história. A câmera fixa no rosto do ator, que consegue capturar cada emoção do personagem, e podemos entender os seus pensamentos e angústias. O ator consegue se comunicar com o espectador mesmo em cenas que não fala nada.

Pequenas Coisas Como Estas (2024)

Pequenas Coisas Como Estas não cai no melodrama ou sensacionalismo e evita ebordar os seus temas diretamente. A apreensão é silenciosa e está embaixo da superfície. As imagens da cidade são sempre pálidas, mesmo à luz do dia, da mesma forma pálida como agem os moradores daquele local ao aceitarem tudo em silêncio. O filme também é uma acusação sobre nós que somos cúmplices em silêncio de horrores que acontecem ao nosso redor.

O ritmo lento de Pequenas Coisas Como Estas pode ser frustrante e cansativo para alguns, pode criar desconexão em alguns momentos ou não explorar todo o seu potencial em outros, mas o filme se mantém a sua proposta de evitar impressionar o público com superexposições. O que há de mais importante aqui é o silêncio. O filme é introspectivo, devastador e claustrofóbico. Há sempre uma sensação no ar de que algo terrível está prestes a acontecer. É como se nós estivéssemos espiando por janelas e portas, sem ver a completude. E tudo fica ainda mais devastador quando sabemos que essas instituições deixaram de existir apenas em 1996.