Crítica

[Crítica] Flores Raras (2013)

O filme Flores Raras, do diretor Bruno Barreto, é inspirado no livro best-seller “Flores Raras e Banalíssimas”, de Carmen Lúcia de Oliveira, de 1995. O longa mostra o relacionamento da arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires) com a poetisa Elizabeth Bishop (Miranda Otto). Flores Raras ganhou o prêmio de público no Festival de Berlim.

Bishop visitou o Rio de Janeiro em 1951, e essa visita se transformou em uma estadia de 15 anos; a poetisa ficou hospedada na casa de Lota. Elizabeth Bishop foi uma poetisa norte-americana que venceu o Prêmio Pulitzer de 1956. Já Lota de Macedo Soares foi uma arquiteta brasileira que idealizou e supervisionou a construção do Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro. A atuação das duas personagens principais é um dos pontos altos do filme. Elas conseguem retratar suas personagens de forma delicada nesse romance biográfico.

O pai de Bishop faleceu durante sua infância. Sua mãe foi internada em uma clínica psiquiátrica. Ela não tinha irmãos. A arte de perder não é nenhum mistério. Miranda Otto consegue traduzir toda a carga emocional da personagem, sem apelar para uma atuação clichê, transmitindo toda a delicadeza instável da poetisa.

Flores Raras (2013)

Uma virada do filme acontece quando Bishop e Lota começam a se relacionar. Acompanhamos toda a história do relacionamento das duas, desde o início encantador até o final com desentendimentos. Vemos como o relacionamento conturbado influenciou nos trabalhos das duas. O filme também mostra como a relação e convivência delas foi determinante para o livro “Norte e Sul”, que rendeu a Bishop o prêmio Pulitzer de literatura.

A orientação sexual não é tratada como tabu ou como um fator que precise de holofotes no filme. Não é uma questão, não é um escândalo. Tudo é tratado com naturalidade. Como um filme que se passa nos anos 1950 e 1960, isso só é possível porque as personagens se refugiam numa região afastada da cidade, onde Lota mora. O foco não é a homossexualidade das personagens, e sim seus conflitos – sejam pessoais ou como casal -, dilemas e emoções.

O foco do filme vira a insegurança das personagens e seus conflitos internos. Bishop ganha ainda mais profundidade quando podemos conhecer mais sobre sua infância e traumas, que explicam um pouco sobre sua maneira de agir, até o momento em que ela se perde no alcoolismo. Elizabeth era alguém insegura, ao contrário de Lota. Ao mesmo tempo, Lota tem uma necessidade grande de controle e isso acaba fazendo, posteriormente, Elizabeth escapar. O filme não romantiza as personagens, e sim dá a elas características próprias que adicionam profundidade e humanidade. O poema “A arte de perder” é como que uma profecia.

Flores Raras (2013)

Os pontos altos do filme são o desempenho das atrizes, que conseguem se destacar em momentos diferentes, e a direção de arte, que mostra um Rio de Janeiro antigo de forma bela (ainda que haja um perceptível uso do chroma key em algumas cenas).

Mas vale lembrar que o Brasil sofreu Golpe Militar em 1964 e talvez o filme peque ao idealizar o país, mostrando como um lugar muito bonito e pacífico nessa época. Até mesmo quando o casal sai de sua “bolha”, a visão que temos é um tanto elitizada. A vida política do país é tratada com certo descaso. A amizade de Lota com Carlos Lacerda, uma das grandes vozes do conservadorismo nas décadas de 1950 e 1960, e seu apoio ao golpe aparecem como pano de fundo, sem tanto aprofundamento. Elizabeth percebe que aquilo irá custar a liberdade dos brasileiros, mas o filme não aprofunda nas motivações de Lota para apoiar o golpe militar e suas consequências.

Além disso, o filme peca em alguns pontos na edição, com uma montagem que não deixa algumas transições e progressões da história tão claras. Apesar das ótimas atuações das atrizes, o filme também peca ao desenvolver de forma muito rápida a relação entre elas. Mesmo com belas imagens e alguns diálogos fortes, amparados boas pelas atuações, a construção rápida do roteiro tira um pouco do brilho da história.

Embora não perfeito, Flores Raras é um filme brasileiro sensível e maduro. A fotografia do filme é linda, as atuações são delicadas e as locações em Petrópolis e na Floresta da Samambaia enriquecem o seu visual.

A arte de perder não é nenhum mistério tantas coisas contém em si o acidente de perdê-las, que perder não é nada sério. Perca um pouco a cada dia. Aceite austero, a chave perdida, a hora gasta bestamente. A arte de perder não é nenhum mistério. Depois perca mais rápido, com mais critério” – Elizabeth Bishop