Crítica

[Crítica] A Morte de J. P. Cuenca (2015)

A primeira cena do filme A Morte de J. P. Cuenca é no escritório de um investigador particular. O escritor J. P. Cuenca, que atua e dirige o filme, se queixa de estar morto. É este tom de surrealismo e incerteza que permeia toda a obra. Não, não foi ele mesmo quem morreu. Foi alguém que tem o mesmo nome.



A questão traz, como era de se prever, alguns entraves burocráticos para a vida do escritor. De início, é apenas assim que ele trata a morte do seu homônimo: como um contratempo muito esquisito. Está um tanto leve ainda, risonho, quando conversa com um amigo num bar e explica a situação.

Aos poucos o clima de paranoia vai se instalando no filme e a partir daí o espectador nunca está muito certo do que se passa realmente, é como se tivesse sido sugado para o ânimo absolutamente instável do personagem. Indagações de ordem existencial vão tomando conta dele, impossibilitando a sua ação rotineira e, em seguida, sua ação sobre qualquer outra dimensão da vida.

Há um jogo de linguagem que brinca com o gênero do documentário, motivo pelo qual parte da crítica tem chamado atenção ao caráter duplo do filme – já que a história aconteceu mesmo ao autor no ano de 2008 –, mas o elemento documental, construído a partir de aleatórias entrevistas e recursos comuns ao gênero, não fazem do filme mais que uma ficção delirante e corrosiva. É nisso que a obra é forte.

A mistura dos gêneros no filme, na verdade, funciona para dilapidar ainda mais a identidade desse personagem. Incerto sobre a coisa mais fundamental e primeira, seu próprio nome, ele se deixa levar pelo caldo surreal que seus dias se tornaram. Ele não apenas morreu; ele está mudando de apartamento, constantemente se vê em frente de paisagens que também passam por mudanças ou estão sendo destruídas no caótico Rio de Janeiro contemporâneo, ele recebe ameaças, ele é visitado por lembranças (especialmente por um antigo amor, interpretado perfeitamente por Ana Flávia Cavalcanti) ou vestígios delas.

O ritmo sempre constante e elíptico dá muita vivacidade à obra, que oferece ao espectador atento  uma experiência rica e única. Detalhes menores de atuação e certos momentos mais fracos de roteiro não comprometem o filme como um todo. É uma excelente estreia do escritor e agora diretor J. P. Cuenca.

Nota: 3.5/5

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