[Crítica] O Quarto de Jack (2015)
Todos os anos é possível encontrar na categoria de indicados ao melhor filme do Oscar algum concorrente de aspecto mais… independente. Geralmente aquele filme com o qual se gastou relativamente pouco dinheiro e cujo retorno de investimento foi gigantesco. O filme deste ano é O Quarto de Jack.
Dirigido por Lenny Abrahamson (Frank), o filme conta a história de uma mãe (Brie Larson) que quando adolescente foi capturada e mantida em cativeiro – um galpão de quintal trancado por uma porta automática cuja senha era apenas conhecida pelo sequestrador. Em sua prisão, ela teve um filho, Jack (Jacob Tremblay), e acompanhamos o que se passa a partir do quinto aniversário do garoto.
Um dia, ela finalmente cria coragem para envolver o filho num plano de fuga. O fato de o menino ter apenas cinco anos e ter de lidar com o conhecimento de que aquele mundo que ele sempre conhecera – o quarto – não é tudo o que existe. O que a mãe (que se chama Joy, mas que é identificada principalmente por “Ma”, forma carinhosa de se chamar a mãe em inglês) inventa para tentar escapar tem requintes de missão suicida; é um momento de grande tensão do filme, embora exija demais de nossa crença de que algo assim pudesse dar certo. Enfim, é compreensível que o estado mental daquela mãe a fizesse se agarrar às últimas esperanças de que uma vida digna poderia ainda ser recuperada.
O plano dá certo (isso não é spoiler, o trailer revela tal fato), e a partir daí o filme se foca na relação de Jack com aquele mundo que ele acabou de conhecer, e na de sua mãe com as pessoas que, ao que parece, simplesmente continuaram vivendo normalmente sem ela.
O filme que sem dúvida alguma é bom, parece-me, funcionaria ainda melhor como thriller, como um suspense policial. Isso porque toda tentativa de poetização que ocorre na obra, como nos momentos em que escutamos em voz off os pensamentos de Jack entrecortados por imagens de sua rotina, é fraca, é repetição de algo que já vimos; e têm, ainda pior, um texto raso. Muito possivelmente esses textos em off são meros recortes de passagens do livro que, qualquer um sabe, sendo um outro tipo de obra, funciona de forma distinta quando lidos lá, no livro.
Aquilo em que o filme está mais interessado – investigar a relação que um menino mantido em cativeiro tem com o mundo lá fora, desconhecido – é o que menos funciona, o que menos salta aos olhos. Não parece uma questão de falta de tempo para que esse enfoque tivesse sido melhor explorado, antes o que se tem é uma percepção algo sentimental demais, rasa demais do universo desse garoto.
Não que ele seja um personagem pouco profundo. Tem-se no filme um personagem invejável: qualquer escritor adoraria ter pensado nele, por exemplo. Ele tem rompantes de coragem e um amor pela mãe que é comovente. Elimine-se, portanto, voz off desnecessárias, e o filme já ganharia bastante.
Chegamos então à mãe. Mais um personagem interessantíssimo. Não se pode, imagino, evitar a pergunta incômoda ao início do filme: “Mas por que ela não mata esse homem de uma vez?”. Logo, porém, ficamos sabendo que isso não garantiria por certo a libertação de mãe e filho. Ter de passar pelo terror e desesperança de ser mantida em cativeiro e ainda por cima se preocupar sobre como educar bem um filho parece tarefa impossível. Conseguimos ter a dimensão do que isso deve significar pelos olhos de Brie Larson, que está de fato muito competente no filme. Por outro lado, não sei onde está o brilho que a fez meritória de quase todos os prêmios da temporada. É uma atuação competente, no ponto, mas que está sendo injustamente alçada à genialidade.
O Quarto de Jack, baseado em livro de Emma Donoghue, que se encarregou também do roteiro, por fim, entretém e parece funcionar como thriller, em que nos pegamos torcendo pelo bem, em que nos perguntamos a que ponto o humano é capaz de se adaptar a situações limítrofes, em que admiramos a coragem e o amor; mas meio que morre na praia tentando apoiar-se numa visão do mito da caverna platônico, ou mesmo ao explorar a relação mãe e filho. Sabemos, no entanto, que suspense policial não pode ser indicado ao Oscar, não é mesmo?