[Crítica] The Leftovers: 2×09 – Ten Thirteen
Esse foi um capítulo menor na excelente segunda temporada de The Leftovers. Não exatamente que algo tenha dado errado, apenas não pareceu cumprir, ou dar mais fôlego, ao que se propõe. O capítulo segue a lógica do estudo de personagem que ocorre em alguns outros dessa temporada. Dessa vez o espectador acompanha o que aconteceu com Megan, querida personagem da primeira temporada.
Na cena de abertura, a gente acompanha a protagonista almoçando com a mãe; quando ela volta do banheiro descobre a mãe estendida no chão sendo ajudada por uma garçonete. A cena é bem feita e comovente, principalmente quando descobrimos que aquilo aconteceu no dia anterior ao arrebatamento.
Durante o episódio a gente percebe como foi difícil para Megan passar por aquilo e como as pessoas não dão importância de que ela tenha perdido a mãe já que a morte foi natural – é como se não ter um dos membros da família sorteados nesse misterioso arrebatamento fosse prêmio suficiente e, por isso, não digno de ser lamentado.
Em seguida vemos Megan e o marido num ônibus: eles estão indo para a cidade de Jarden. Ao sair do ônibus, tomam parte numa excursão sobre o local. Vemos a moça que sempre usa o seu vestido de noiva, virou uma espécie de atração turística. Logo descobrimos que Megan foi para aquela cidade em busca de um vidente (o mesmo que no primeiro episódio lê o futuro das pessoas a partir de impressões de suas mãos com tinta num papel [pensei em como esse símbolo pode estar ligado à impressão de mão deixada por Kevin no carro das meninas desaparecidas]). Seu marido, ao que parece, se acostumou com a insistência da mulher de visitar profissionais de tipo.
Por meio desse encontro Megan deseja saber o que sua mãe iria falar para ela logo antes de morrer. Não ficamos sabendo o que o vidente contou para ela; a cena é cortada. Temos um belo take de Megan, de costas, caminhando em direção ao marido, diz que mais uma vez aquele profissional não passava de um charlatão. O tom artificial não é por acaso: ela quer convencer o marido, mas não convence o espectador. Chorando num banco da praça ela encontra Evie e podemos assistir a uma das cenas mais comoventes do episódio. Evie tenta de qualquer maneira fazer com que ela pare de chorar mas não sabe como; diz que gostaria de conhecer uma piada para contar a ela. Não é a menina quem conta piada, é Megan. Conta a do lápis quebrado. Essa é a mesma que é contada por Evie ao pai no primeiro episódio, o que nos dá uma ideia acerca de em qual momento nos encontramos. O amor pelo detalhe demonstrado por Lindelof e Perrota é simplesmente, na falta de melhor expressão, inspirador.
Corta para Megan já parte dos GR praticando algo que só pode ser chamado de terrorismo. Ela joga uma granada num ônibus cheio de crianças enquanto caminha para longe. Ficamos na expectativa de se o ônibus vai ou não explodir, mas a cena é cortada e não sabemos. O efeito é incrível porque achamos que aquela mulher se entregou completamente a práticas cruéis de pura vilania. Felizmente, as crianças estão bem, tratava-se de mais um dos atos “performáticos” do culto. Uma espécie de conselho do grupo julga os atos de Megan. Ela é criticada juiz atuar de maneira agressiva, em resposta do que apenas sorri e diz que não é a única a acreditar que a sua maneira de agir é mais eficiente.
Aqui tudo fica muito interessante porque a gente tem uma ideia do que aquele culto está se tornando. É absolutamente improvável que pessoas vão ficar seguindo a mesma rotina sem nunca se perguntar que efeito estão conseguindo ter nas outras pessoas. No caso, os GR querem que as pessoas jamais se esqueçam do que aconteceu naquele dia 14 de outubro; afinal de contas, para eles, o mundo acabou. Mas as pessoas, como sabemos, acabam vivendo suas vidas e deixando o que não interessa de lado. A fim de que exista um sentido naquilo que faz Megan decide mudar a rota de sua atuação. É um bocado simbólico imaginar que quando esses membros decidem atuar com as próprias mãos o estágio final do que isso alcança é a criação de um partido político – com evidentes tendências totalitárias. Que isso venha a acontecer, de fato, ou que seja mero subproduto do inconsciente de Kevin não importa para este argumento.
Como sempre é o caso deles, há um grande ato a ser executado no dia 14. Megan no entanto tem as suas próprias ideias sobre o que deve acontecer nesse dia – há um corte de cena interessante que mostra por cerca de um segundo a ponte que leva à cidade de Jarden. Definitivamente tem a ver com o ato que ela vem preparando.
O capítulo centrado na personagem de Megan investe muito em costurar um mistério que a essa altura não parece funcionar tão bem como aconteceu nos primeiros episódios da temporada. Há algo de artificial na culpa que Tommy sente, algo de forçoso em seu desejo de se livrar daquela dor, de procurar mais uma vez o culto em busca de libertação. Ele saiu de lá, recrutou pessoas, depois as enganou se dizendo herdeiro do legado de Wayne. Mais algumas respostas são dadas, como por exemplo o que aconteceu com Tommy quando ele deixou a mãe e o porquê de Megan o ter estuprado. O que ela disse pretende ter um efeito medido: eu queria enganar engravidar você. Sem dúvida a coisa mais intrigante do episódio. Novamente o absolutamente racional versus o místico: a resposta óbvia é dizer que Megan enlouqueceu totalmente, todas as circunstâncias apontam para tanto, mas será só isso?
Acho que o que mais me incomodou no capítulo foi a ideia de que uma grande coisa está sendo armada por Megan É bem interessante imaginar que ela pirou de vez, mas me parece mão pesada criar um gran finale a partir disso. Qualquer coisa de suavidade foi perdida dos episódios anteriores. Talvez a coisa toda funcione ainda menos porque a atuação de Liv Tyler não é das melhores. Querendo parecer completamente entorpecida e anestesiada ela fortça demais nos olhares vagos e acaba por imprimir pouca profundidade a um personagem que parece marcado por outras características que não apenas a dor da ausência materna transformada em fúria religiosa
Merece também um comentário a trilha sonora que insistiu em brincar com hits dos anos 1980. O que isso quer dizer? A mim, pareceu querer nos convidar para o universo da juventude de Megan, um universo tão esquecido a essa altura mas que se revela em suas intenções mais malucas. Há um cover muito simpático na cena da dança no bar de Honky Tonk (a cena de resto não funciona tão bem – uma pena) da canção “The Promise”. A química entre Tommy e Megan também é um elemento que funciona muito pouco e contribui para que o capítulo num todo seja algo, talvez não decepcionante, mas um passo atrás no ritmo narrativo que se entregava anteriormente.
Como não fiquei tão satisfeito com o desenrolar desse episódio também não me pareceu impressionante a revelação de onde estavam presas as garotas. Elas ao que tudo indica fazem agora parte dos GR; interessante ver como Evie não responde mas escreve no seu bloco de notas quando Tommy lhe pergunta quem ela é: “Isso não importa”.
A ideia do nono capítulo é de criar uma expectativa muito grande para Series Finale; o efeito no entanto não acompanha a intenção. Ainda que mantenha qualidade bastante considerável a série acaba de entregar o seu episódio mais fraco até agora. O fraco em The Leftovers, no entanto – e felizmente – é ainda muito bom.
Nota: 3.5/5