Crítica

[Crítica] The Jinx (2015)

[Crítica] The Jinx

Robert Durst não possui algo que possa ser chamado de carisma; ao contrário, é frio, tem trejeitos irritantes. Essa característica, aliás, de não se emocionar com as acusações que recebeu durante toda a vida, deveria naturalmente ser uma desvantagem para o sujeito que está diante de um juri. Acusado de ter cometido uma verdadeira atrocidade, uma aberração, essa mesma característica, essa frieza, acaba por salvá-lo. O momento que mais me marcou neste documentário impressionante é apenas mais um na lista de fatos chocantes que você vai encontrar ao assistar a The Jinx: A Vida e Mortes de Robert Durst.


O documentarista Andrew Jarecki decidiu fazer um filme sobre Robert Durst, depois de o próprio entrar em contato com ele a fim de ter uma chance de contar a sua história -sob o seu ponto de vista e não o da mídia. Jarecki, na época, havia acabado de lançar o seu filme Entre Segredos e Mentiras (2010), baseado na história de como Durst assassinou sua mulher. O diretor aceitou conversar com ele, que veio a ser um personagem complexo.

Os fatos que descrevi nesse parágrafo estão na primeira parte do documentário, que trata basicamente de quais são as acusações mais importantes feitas contra Durst e como o filme veio a ser feito. A partir da segunda parte, o projeto começa a tomar forma – assim como o terror que o espectador vai sentindo sobre tudo aquilo que vê.

O fato de Robert Durst ser um homem livre, julgado e inocentado, podendo assim viver entre os membros da sociedade é o fator de maior importância para o efeito do documentário. Imagino que daqui a alguns anos – mesmo que como filme a obra seja inquestionavelmente corajosa e original – o filme perderá um pouco do seu efeito. Mas que efeito especial é esse?

Quem é Robert Durst?

Se não estamos muito familiarizados com a história de Durst, meu caso, funciona melhor. O documentário revela os fatos aos poucos e de maneira bastante, e conscientemente, manipulativa. Assim, você se pergunta o tempo inteiro: mas ele está ou foi preso em algum momento? Ele está vivo? (Sim, é uma pergunta possível, já que a entrevista foi realizada provavelmente em 2012.) As perguntas jorram naturalmente quando descobrimos que ele já foi acusado de assassinar a mulher, uma amiga de longa data e um vizinho e sempre se manteve em liberdade.

A entrada de personagens é feita de maneira exemplar, como por exemplo quando a importância de Susan Berman na vida de Durst é explorada. A sequência temática das partes do documentário é muito bem pensada e e realizada. As encenações dramáticas em nenhum momento dão lugar à cafonice, ou demagogia; servem, antes, para ilustrar eficientemente como fatos ou relatos ocorreram.

A história vai sendo contada – desvendada – e as perguntas do espectador multiplicam-se, culminando apenas numa só: como ele pode estar livre? Acreditei que teria alguma dificuldade com o documentário ao imaginar que, de alguma forma, ele partiria para a humanização de um assassino. Pensei isso levando em conta alguns textos que li na internet, principalemente vindos da imprensa norte-americana; não acredito no entanto que tal ocorra – diferente do que opinam certos textos.

Há humanização de um personagem monstruoso?

Andrew Jarecki de fato afirma a certa altura que “gosta” do cara, adquiriu certa simpatia: isso não se reflete no filme como um todo. O fato de o diretor admitir isso é apenas mais um dado bizarro que adciona à atmosfera surreal à qual o espectador é submetido por horas (imaginando que se assista a tudo de uma vez só). O erro seria se o filme “achasse o cara simpático”. A questão da humanização de um monstro se torna um assunto em si quando assistimos a determinados depoimentos. As pessoas têm impressões a repeito das outras, é inevitável.

Robert Durst parece seguir sua vida normalmente porque não inspira medo nas pessoas – a impressão que ele passa é de alguém inofensivo, que não machucaria uma mosca. Isso poderia ser relevado nas pessoas, mas não quando se trata de um sistema judicial que, presume-se, deva condenar aqueles que perpetram crimes.

Ainda sobre o tema, é alarmante acompanhar o julgamento de Durst em que se procura verificar se ele matou ou não Morris Black. Em certo momento, o réu diz que se vestiu de mulher para não ser encontrado pela polícia. Ao detalhar como realizaou tal procedimento, falando que comprou uma peruca etc., o juri começa a dar risada. Como é possível que um juri dê risadas, empáticas até, de um homem que esquartejou o corpo de outro e arremessou as partes no mar?

Há algo de errado num sistema de juri popular que não consegue ver que um homem que cortou outro em pedacinhos deve sim ser culpado e pagar sua pena na cadeia.

Jornalismo e Sistema judiciário

Durst foi capaz de se livrar de cada acusação que lhe foi feita. Durante todo o documentário, por meio de uma série de trapalhadas, seja da polícia ou de outra força governamental encarregada de punir, vemos o sujeito se safar de uma depois da outra. Não se pode afirmar sequer que isso aconteceu porque o acusado em questão era riquíssimo. O dinheiro – com exceção do momento em que ele de fato precisou contratar ótimos advogados para seu julgamento em 2001 – não parece ter desempenhado um papel muito importante na questão de mantê-lo liberto. Apenas aconteceu que a polícia não checou fatos, não foi atrás quando precisou e nem deu ouvidos àqueles que desconfiavam.

Mais sucesso nesse sentido teve o documentário que, encaminhado-se para o grand finale, exibe uma nova prova incriminadora. O trabalho jornalístico da equipe de Jarecki é de enorme fôlego. Foram capazes de botar as mãos em todo tipo de documento que se pode imaginar.

Tensão Final

A parte final do documentário é uma aula aos filmes de terror. Cria-se um clima de tensão exaustiva que contagia o espectador. Os últimos vinte minutos são impressionantes, uma grande realização de um produto feito para a televisão. Jarecki põe Durst contra a parede com uma nova evidência. O acusado mais uma vez mostra sua frieza habitual. Interessante como ele se comporta diante de uma prova tão irrefutável de que cometeu todos aqueles crimes. É como se acreditasse que, mais uma vez, a frieza, a calma vão lhe salvar, vão despertar no outro a dúvida plausível.

Último minuto. Temos acesso ao áudio de microfone de Durst, que está ligado quando ele vai ao banheiro. O momento de revelação é brutal. Ficamos com a sensação de “E agora, será que alguém vai prender esse cara agora?”. Não conheço outros documentários que ganharam esse formato serializado para a TV, mas certamente há uma minha de ouro aí.

Nota: 5/5

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