[Crítica] The Leftovers: 2×07 – A Most Powerful Adversary
[contém spoliers]
Por onde começar? Certamente confirmando como essa série ganhou força na segunda temporada – uma vez que não tinha de seguir a trama pré-estabelecida no livro de Tom Perrota. É admirável como a série consegue construir episódios tensos, com ritmo coeso e que, mesmo quando esse ritmo é alternado entre um e outro episódio, apenas acrescenta camadas em vez de descaracterizar a série.
O sétimo episódio da segunda temporada se concentra em Kevin (Justin Theroux) e sua aporrinhação constante de ver a Patti. Ao acordar mais uma vez algemado, ele descobre que Nora partiu e levou Mary e Lily consigo. Patti reafirma que foi um grande erro de Kevin ter contado a verdade. Diz – como se conversasse com o espectador sobre o que vamos ver na tela – que esse será um dia duro.
Duro, de fato. Difícil. Kevin liga para Nora o tempo inteiro enquanto tenta se ver livre das algemas – um problema aparentemente mínimo, mas que se revela insolúvel como tudo na vida do personagem, ao longo dos cinquenta minutos.
A cena na loja de ferramentas é tocante, eficiente no que tenta mostrar: um homem que não sabe dizer ao certo se está ficando louco. Logo em seguida, Kevin vai pedir a ajuda de John na estação de bombeiros, onde ele descobre que se está tirando as digitais dos homens da cidade a fim de descartar que sejam donos da mão enlameada presente no vidro do carro das meninas que sumiram. Ao perceber que fazem a triagem, Kevin vira de costas mas é tarde demais porque já foi visto por John.
Uma das grandes cenas do episódio – se bem que foram tantas: como Kevin, a gente não consegue se concentrar no que John está dizendo. Kevin põe a marca de sua mão no papel e ela é levada para o banco de dados e, então, analisada. Patti, no carro, resume o que acabou de acontecer: “Você entrou ali tentando se libertar [das algemas] e acabou sendo pego”.
As algemas simbolizam bem o estado de espírito do personagem; para onde quer que se vire não encontra como ser liberto. Após um encontro com Michael Murphy que sabe o que está se passando com ele porque foi informado pelo avô, Virgil, Kevin concorda em ir visitá-lo. O que o velho no trailer tem a dizer não é nada reconfortante. A fim de se ver livre de Patti, Kevin precisa morrer – temporariamente. Não é surpresa nenhuma que ele saia dali irritadíssimo.
Se puder apontar um ponto mais fraco em toda essa trama (e ainda assim falo isso sem ter em mãos todos os fatos que ainda estão por ser revelados), diria que a dinâmica entre Kevin e Patti, embora interessante, parece falha. Não sabemos ainda quais são as motivações de Patti, mas a hesitação com que ela se comporta quando é confrontada por Kevin é, no mínimo, mal executada. Bem, é claro que tudo pode ser manipulação dela já que de fato não se sabe o que quer. Ela pode, ainda, ser apenas uma imagem da psicose de personagem – o que nos leva a falar de Laurie.
Laurie foi a protagonista do que considero o melhor – ou segundo – episódio dessa temporada. Seu retorno é muito benvindo. E que bom que ela pode falar nessa temporada! A atriz Amy Brenneman tem feito trabalho estupendo. Laurie está atrásde Tommy, que sumiu sem deixar pista. Tudo é muito confuso no seu encontro com Kevin, às fronteiras da cidade de Jarden. Quando Kevin começa a gritar com ela, Laurie pergunta: “Você está bem?”. Perceba a entonação falha de como ele responde: “Estou. Sim. Sim. Estou bem”. Escutamos no momento seguinte a presença novamente da música “Where Is My Mind?” dos Pixies. Ela funciona como elemento de ligação entre Laurie e Kevin. Os dois, cada um em um lado da cerca, partilharam da mesma trilha sonora em seus episódios.
Não menos impactante é a cena paradigmática do episódio: a conversa que ex-marido e mulher têm no quarto de hotel de pé de estrada. Laurie executaa coreografia que a série tanto tem se esforçado em sugerir: a dança entre ciência e religião; senso comum e suprestição. Damon Lindelof, que assina o episódio em colaboração com Perrota, nunca é demais dizer e lembrar, foi o idealizador da série Lost, que ficou conhecida como quase simbolista e que carregava temas tão grandes e universais dentro de sua trama.
Laurie, portanto, afirma que aquilo que Kevin vê não passam de surtos psicóticos, que é um problema sério e que ele tem de começar a tomar medicação e talvez ser afastado do convívio por um tempo, para que melhore. Kevin a chama para Jarden, pede que o ajude.
O grande final do episódio é bastante televisivo em sua linguagem, contrasta um pouco das sugestões que a série tem feito em seus capítulos prévios. Quando Kevin bebe o veneno resta-nos ficar na dúvida do que acontecerá depois.Virgil estoura os miolos. Michael Murphy entra na cena e carrega o corpo de Kevin para fora do trailer – dando a entender que tudo aquilo fora planejado cuidadosamente.
A série parece querer que o espectador avalie a si mesmo, que pergunte a si mesmo para qual time torce. Há algo maior, inexplicácel, ou até mesmo paranormal no universo de The Leftovers; ou depois do dia 14 o mecanismo psíquico de quase todo mundo está avariado e vê-se coisas que não estão lá? Há dados para corroborar qualquer um dos lados. A série segue se equilibrando no canto delicado entre afastar o clichê e apostar numa trama clássica que segure o telespectador. Tem tido sucesso como nenhuma outra série em exibição atualmente.
4/5